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Passeios peripatéticos em Paris

Texto e Fotos de Marcus Ozores

Hoje é segunda feira, 12 de fevereiro de 2024, um dia especial que o nosso astro Rei resolveu aparecer para os comuns viventes e dar o ar da sua graça. E euzinho aqui, em Paris, como fiquei fechado os últimos dez dias, já que choveu sem parar, me sinto como na música de Cole Porter  ILove Paris (link):

Toda vez que vejo essa cidade atemporal / seja azul ou cinza o céu dela / cada vez mais percebo / que amo Paris na primavera / no outono / no inverno quando chove / e no verão quando faz calor’.

‘Amo Paris de todos as maneiras”

Como na música – imortalizada na voz de Ella Fitzgerald – amo Paris de todos as maneiras, porém confesso, que desta vez, isto é, nesses últimos 13 dias, desde que cheguei à terra de Montaigne, o tempo nublado e chuvinha constante e deprimente – entremeado com parcos momentos de chuvas pesadas – tem incomodado muito já que é impossível caminhar pelas calçadas largas e convidativas, para longas caminhadas, aqui no 14ème, onde me hospedo, há mais de uma década durante o período invernal.

Mas hoje, acho que os deuses cristãos resolveram se entreter, em longa prosa, com os deuses do Olimpo e ficou acertado que Éolo deixaria hoje de soprar o vento, que move de lugar as nuvens cinzas, carregadas com os pingos da chuva. Muito embora as nuvens não desaparecessem de vez do Céu, grandes espaços de azul profundo permitiram a passagem dos raios solares para iluminar as torres das igrejas góticas. E esse foi meu dia.

‘Andar sem rumo pelas ruas do bairro é o melhor exercício para desenferrujar as pernas’

Quando olhei no celular – sempre o celular – que o aplicativo de tempo e temperatura previa para hoje temperaturas baixas, não passando de 6 graus, e a boa notícia era que não estava prevista chuva, nem mesmo chuviscos. Não pestanejei e imediatamente vesti a segunda pele e, num ato continuo, coloquei a calça, camisa preta longa de algodão grosso e aveludado na parte interna, botinha preta e casacão por cima. Rua prá que te quero tanto ‘mon amour’.

Andar sem rumo pelas ruas do bairro é o melhor exercício para desenferrujar as pernas, e hoje era um dia mais que especial. Hoje é segunda de Carnaval e há muito tempo não passava um Carnaval tão feliz. Afinal, Bozo & Companhia foram pegos com as mãos na arapuca e agora o caminho para a Papuda está aberto. Por isso enchi os bolsos com confete e serpentina, apito na boca, chapéu virado ao contrário na cabeça, aumentei o volume do meu celular no máximo e pus para tocar a marchinha vencedora do Carnaval deste ano: ‘Toc Toc Toc unidos da Papuda’, obra prima e já premiada por antecipação- com o Grammy de 2025 – de autoria da família Passos.

Com o Sol meio envergonhado mostrando sua carona, entre as nuvens, saí para a rua me sentindo o próprio ‘Loco’, da ’Balada para un loco’, do mestre Astor Piazzola. E lá fui eu cantado “Toc toc toc é a Policia Federal, toc toc toc …” e fui jogando confete e serpentinas pela rua, só faltou mesmo foi lança perfume e Rita Lee para a minha festa parisiense ficar completa. Toc toc toc…. depois de cinco anos, o castelo de cartas finalmente ruiu.

Vocês devem estar se perguntando nesse momento afinal quem acompanhou esse ‘Loco’ nessa caminhada parisiense. Claro que um Loco sempre é seguido e eu fui por uns quatro ou cinco vira latas prontos para acompanhar qualquer manifestação insana, pois, sabem que sempre sobra alguma coisa para comer. Daí esses vira latas decidiram seguir o ‘Loco do 14éme’.

Essa segunda de Carnaval com Sol, em Paris, foi o dia da minha catarse contra o festival de asneiras fundamentalistas que o eterno país do futuro foi refém nesses últimos anos. Eu e milhões como eu tínhamos a sensação de vivermos como prisioneiros do conto de Hans Cristian Andersen intituladoA roupa nova do rei’ e popularizado, em Terras de Pindorama, como ‘O rei está Nu’.

olhem como é linda a roupa nova do rei”.

Assim como no conto, onde o próprio rei, para não demonstrar a população que havia sido enganado pelo alfaiate espertalhão, ao ver a mesa de costura vazia anunciou para os vassalos que o rodeava “olhem como é linda a roupa nova do rei”. O mesmo ocorreu na capital de Pindorama quando o Joker golpista ordenou a gravação da reunião- veja aqui onde, ele Bozo, himself, combina com seus pares de farda golpistas e civis sem vergonhas como iam dar um golpe Estado e prender juízes do Supremo e alguns outros inimigos a decidir. Até parecia reunião de grêmio da quinta série, do primeiro grau.

Por isso, ao sair hoje pelas ruas do 14éme, seguido por uma matilha de vira-latas, jogando serpentinas e confetes tive a sensação que o pesadelo de me sentir prisioneiro, das páginas do livro de contos de fadas de Christian Andersen acabou, graças ao nosso Yul Brynner dos Trópicos.

Depois de longa caminhada pelas avenidas Alesia e Tolbiac e constatar o fim do estoque de confetes, serpentinas e detectar que meus seguidores haviam me abandonado parei para almoçar num mata fome asiático, com menu fixo de 8,50 euros: entrada, prato principal e sobremesa. Acreditem, esse preço só aqui pelo 13éme.

Caminhadas Peripatéticas

Como o nosso astro rei ainda continuava exibido lá no alto fui hoje, pela primeira vez, ao ‘centre ville’ e me deixei perder pelas ruas tortuosos do 3éme e 4éme as antigas ruas medievais do burgo de Paris. Terminei a caminhada no centro Georges Pompidou – também conhecido como Beaubourg – o imenso centro cultural no centro da cidade. Esse é um dos locais preferidos que gosto de caminhar para fazer absolutamente nada. Só caminhar e observar coisas que não observamos normalmente e por isso é importante desenvolver a arte de caminhar para encontrar o nada, pois, quando não se procura nada se acha tudo.

 

Dizem, que a filosofia – e o que ficou conhecido como o pensamento racional ocidental – teve origem nas caminhadas. Por isso, uma corrente de filósofos na Grécia – da época dos deuses do Olimpo – eram conhecidos como os Peripatéticos. Aqueles que filosofam enquanto andam. Então convido a todos a filosofar à vontade, todos os dias. Mentalmente, é claro. Até breve.

Curtam a música I Love Paris com Ella Fitz Gerald no vídeo abaixo

Leia mais de Marcus Ozores sobre Paris em Diarios de Paris  

 

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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