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Ah!… se os homens menstruassem…

Cantinho da Proeira

Por Priscila  Siqueira*

Prisicila Siqueira é jornalista e escritora
Priscila Siqueira Mestra Proeira da Cancioneiro -Foto APMC

Há anos, li numa publicação feminista um artigo satírico, mas que trazia em seu bojo uma análise bastante crítica da realidade: se fossem os homens que menstruassem, o sangue menstrual seria visto de uma forma diferente. O sangue derramado por eles seria glorioso e exemplo de sua virilidade posto a serviço da humanidade. Menstruar seria um ato de coragem a ser respeitado por toda comunidade. Seria a marca indelével, corroborando o rito de passagem da infância para a vida adulta, que somente os seres de um gênero mais altruísta e superior teriam direito de ostentar.
Mas como quem menstrua são as mulheres… Nojento, sujo, até mesmo venenoso são os epítetos dados ao sangue menstrual.

“no período “de paquete”e de Chico”

Durante muitos anos, e quem sabe ainda ocorra em certos setores da sociedade, a adolescente tinha vergonha de dizer que estava menstruada, “naqueles dias”, “no período”, “de paquete”, de Chico” … Como se fosse culpada por alguma coisa que ela intuía, mas não saberia expressar claramente o que era. Mas com certeza estava suja, contaminada. Se mexesse no doce que estava sendo feito na panela, nele desandaria. Lavar a cabeça, nem pensar! O sangue subiria para o cérebro, com morte na certa.
Freud, em uma obra sobre sexualidade infantil, dá sua explicação sobre a visão que a sociedade (algumas pelo menos, incluindo a nossa) tem sobre sexo. Como os órgãos sexuais ficam localizados próximos aos esfíncteres- e esses produzem um material “sujo” com a urina ou as fezes- então o esperma e o sangue menstrual seriam ‘sujos” também. Se é sujo, cheira mal ; se cheira mal é feio; se é feio é pecado…

Houve um tempo que a mulher menstruada ou que sangrava por ter tido um filho não podia chegar perto da Mesa de Comunhão, já que era impura. O patriarca Dionísio de Alexandria achava fora de propósito indagar se uma mulher poderia receber a Comunhão “porque a mulher devota, pia, nem sequer pensaria em se encostar no altar ou tocar no Corpo e Sangue de Cristo”, quando estivesse no período menstrual. Um sangue não era digno do outro…
Uma vez mais, pode-se notar a influência da religião moldando o comportamento e o psiquismo das mulheres a respeito de um fato normal no desenvolvimento biológico feminino, que, por sinal, está ligado ao próprio ato de dar a via a outro ser humano

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( Extraído do livro “A outra Face de Eva: Relações entre Religião, Violência e Mulher”, editora ASAS, 2015-Priscila Siqueira)

Prisicila Siqueira é jornalista e escritora
Priscila Siqueira Mestra Proeira da Cancioneiro -Foto APMC
A Cancioneiro Caiçara tem o apoio cultural da Hidrel. Uma empresa genuinamente caiçara.

Priscila Siqueira

Jornalista Priscila Siqueira, Ponta Grossa (PR), 08/07/1939. Formação: Universidade do Brasil (RJ). Atuou na Folha de São Paulo, Estadão, Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e Valeparaibano. Destacou-se por denunciar a expulsão dos caiçaras com a abertura da BR-101, tema de seu livro “Genocídio dos Caiçaras” (1984). Especializou-se em questões ambientais, cobrindo a Constituinte de 1988. Foi fundadora da SOS Mata Atlântica, do MOPRESS e presidiu a Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro. Participou do Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, em Estocolmo (1996), promovido pela UNICEF e pela rainha Sílvia da Suécia. Foi professora nas Escolas : Normal de São Sebastião, Universidade Salesiana, e de Pós graduação na Fundação Escola de Sociologia e Política de SP na área de Sociologia

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