A Lua, as igrejas e as boas coisas de Paris

DIÁRIO DE PARIS, 11 DE FEVEREIRO DE 2023
Por Marcus Ozores

Hoje acordei com a luz da lua no esplendor do segundo dia decrescente. Dormi com o vidro da janela do quarto sem fechar a cortina e Pluft as três da manhã lá estava ela com sua luz prateada alumiando o quarto do apê. Ficamos de namoro quase uma hora e me vieram a cabeça musicas e cenas de filmes românticos

Como não lembrar nesse momento do amor do mais célebre espadachim da França, Cyrano de Bergerac, pela sua amada Roxane? Ou então de Luar do Sertão, de João Pernambuco? Depois de namorar um bocado deixei dona Lua com suas tarefas noturnas de alumiar o coração dos apaixonados e voltei a dormir.
A caminhada hoje foi forte. Objetivo era ir à igreja de Saint Paul et Saint Louis para ouvir o um trio francês que programou um concerto eclético que ia de Vila Lobos, passando por Beethoven e finalizando com Piazzola. Trio formado por violino, violoncelo e órgão da catedral que está bem estragadinho, diga-se de passagem. Digamos que o objetivo era grande mas a apresentação foi bem ruinzinha. É impossível tirar som de bandonéon de um órgão, diga-se de passagem.

Se a apresentação foi bem abaixo do esperado a caminhada do apê no 14éme até o Marais foi prazerosa para o corpo e o espírito. Acreditem, hoje Paris fez 10 graus com muito sol e parece mais clima de primavera que inverno. São mais ou menos uns 6 km de marcha. Saindo aqui da rue Sarrete, entrei na Tombe de Issoire e alguns quilômetros a frente a rua muda de nome para Saint Jacques. O que pouca gente sabe é que a hoje Tombe de Issoire é uma das mais antigas estradas de Paris. Ela é a antiga rota romana que ligava a capital do Império a antiga Lutecia, o nome primitivo de Paris. E lá se vão mais de dois mil anos. Afinal quando o Júlio César, que ainda não havia sido escolhido imperador, montado no seu cavalo branco (a escolha da cor do cavalo é de minha responsabilidade) obrigou Vercigetorix a depor as armas foi no ano 52, antes do nascimento daquele que vive na cruz do Céu para servir de modelo àqueles que estão na terra.
“Hoje é dia preferido dos parisienses, de irem para as feiras de Brocante.”

Hoje é sábado e como nosso senhor Jesus Cristinho gosta de ver todo mundo bem aos sábado hoje é o dia preferido dos parisienses, e franceses em geral, de irem para as feiras de Brocante. Isto é, feiras de antiguidade e produtos usados. Todos têm direito a vender e trocar. Tem gente que comercia porcelanas da época do Rei Sol e tem imigrantes que vendem antigas vestimentas e fotos do tempo de Lenin e Stalin e outros que vendem tapetes persas, resquícios de tempos melhores. Vendem para se verem livres do Planeta Fome, como diria Elza Soares para lembrar que nem todo mundo vive bem, nem mesmo aqui no país da classe média.
Em Paris comer um prato sem entrada, acompanhado de taça de vinho, café não sai por menos de 20 a 25 euros
Ao longo da longa caminhada notei mais uma vez que para nós brasileiros assalariados em reais só dá para matar a fome na rua comendo em restaurantes étnicos. Sejam eles chineses, vietnamitas, cambojanos, indianos, africanos, tailandeses, tibetanos, libaneses, sírios, gregos (diminuíram muito aqui nos últimos anos), marroquinos, argelinos, persas (deliciosa comida) todos tem formules a partir de 6 euros até 15. A moçada e nós com pouca grana só aí para matar a fome no dia a dia da rua. Qualquer café parisiense comer um prato sem entrada, acompanhado de taça de vinho, café não sai por menos de 20 a 25 euros. Multiplicando por 6 (para não errar nas contas) veja quanto fica. O negócio é ir ao supermercado e encher a geladeira e comprar excelentes vinhos de 4 a 10 euros.

“o fast food parisiense desapareceu das esquinas”
Outra coisa que notei é que o fast food parisiense desapareceu das esquinas. Falo dos pequenos espaços, sempre do lado de fora dos cafés, que serviam crepes, os melhores mata fome do mundo. Sempre adorei pedir crepes com ovo, queijo brie e presunto. Não passava de 4 euros e tinha em toda esquina. Acho que a pandemia acabou com negócio tão popular e tão simples de fazer. Afinal cada país tem o seu modelo de fast food. No Brasil é o quilo, paixão nacional para comer barato e variado.
“Quem vem a Paris e não vai a Rue de Rosiers num sábado ou domingo não conhece a cidade”
Ao acabar o concerto fui ao Marais passear na Rue de Rosiers. Quem vem a Paris e não vai a Rue de Rosiers num sábado ou domingo não conhece a cidade. Rua de Rosiers e adjacências é o coração do mundo dos restaurantes judeus e libaneses por aqui. São dezenas de pequenas portas com muitos pequenos restaurantes que servem comidas idênticas. Não sei porque eles se odeiam de morte se comem a mesma comida e vivem do mesmo jeito. Claro que essa briga não é aqui mas que reflete aqui isto lá é verdade. Aliás, hoje as diferenças étnicas estão tão ou mais desequilibradas do que nunca.

Após um assiete mista e uma taça de vinho, um café o jeito foi voltar para casa e embarcar no ônibus 38 que liga Tour de Saint Jacques a Porte d’Orleans.
Post scriptum: claro que na caminhada passei ao lado da catedral de Notre Dame e pelo jeitão que a obra está indo não sei se eu conseguirei ouvir novamente um concerto por lá.
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