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Chuva de bençãos e de saudades de uma caiçara

Crônica caiçara

Texto : Dorcas Nascimento

Ilustração: Pirogravura de Arnaldo Passos

A chuva me deprime porque  tem cheiro de saudades.

Mas a chuva é uma benção. Minhas plantas estão lindas, floridas.

A mata em frente à minha casa, aqui no Porto Novo, está com suas árvores e flores exalando perfume.

Quando o sol quer dar a sua graça,os pássaros fazem uma grande festa, cada um com seu canto diferente, aí até me animo.

À noite ouço os sapos com seu canto.  Parece até uma festa de casamento. Meus cachorros correm pra lá e pra cá, morrendo de medo de tomar banho, porque e tempo esquentou, ou dão dar  uma voltinha na rua e os vejo correndo como crianças felizes, com toda a liberdade que merecem ter.

 

Mas a chuva me deprime. Ela tem cheiro de saudades.

 

Ah! Que saudades das minhas duas mães. É, eu tive duas mães e oito irmãos. Minha mãe biológica era conhecida na cidade de Caraguatatuba, na década de 60,   como dona Elena doceira. Ela  trabalhava muito fazendo e vendendo seus doces. Minha mãe Filomena era quem cuidava da gente. Uma negra com a qual eu me pareço , apesar de não termos nenhum parentesco sanguíneo. Mas ela era minha mãe também.  Cuidava dos meus machucados e me acalentava quando eu chorava, não deixava meus irmãos brigarem comigo.

 

Mas a chuva me deprime. Sinto saudades das minhas duas mães.

 

Quando chovia, não saíamos de casa. Eu e meus irmãos e irmãs ficávamos pendurados no fogão de lenha,  sempre com a supervisão da minha mãe Filomena. Ali assávamos o peixe misturinha com batata doce para comermos com café e farinha de mandioca. O angu de farinha de milho minha mãe Elena fazia logo cedo. Quebrava uns ovos e fritava. Dizia que era pra gente ficar forte. Orientava a todos e ia para a sua quitanda vender os seus  doces, que também   entregava  para os hotéis . Vendia também banana, abóbora, mamão, e hortaliças plantadas pelo meu pai.

A chuva me deprime, me trás cheiro de saudades.

Sinto o cheiro do feijão com carne seca, quando uma das minhas mães fazia o tutu de feijão e desse tutu  o tal do capitão , que  era um bolinho de feijão que comíamos com café.

A chuva me deprime, sabe porque, né?

Já não tenho mais meus pais, nem minha mãe Filomena, nem minha antiga casa. Três dos meus irmãos já foram embora.

A chuva me deprime,  porque esse tempo não voltará mais. E eu sinto falta de tudo isto quando chove, porque vivíamos alegres no meio da fartura do amor.Aí ficou só o cheiro da saudades .  As lágrimas escorrem pelo meu rosto. Cada irmão,  tomou o seu caminho, mas nos mantemos unidos, sempre lembrando da nossa doce infância. A nossa adolescência foi esfacelada pela tromba D’agua que arrasou Caraguatatuba e  nossa casa também   em 18 de março de 1967, mudando radicalmente as nossas vidas.

Hoje quando chove, sinto o cheiro de saudades.

 

Dorcas Nascimento é Caiçara do Porto Novo , Caraguatatuba, Assistente Social aposentada e atualmente é apresentadora do Programa Entre as Mulheres no Facebook da Cancioneiro Caiçara

Pitagoras Bom Pastor

Pitágoras Bom Pastor de Medeiros, é formado em direito e pós graduado em jornalismo digital

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