Dostoiévsky e a estupidez da russofobia

Diário de Pindorama
Texto, vídeo e apresentação: Marcus Ozores

Diário de Pindorama, 6 de março de 2022, domingo de sol escaldante e sigo com o “Só a poesia nos Salvará” e agora de volta à minha Sampa Desvairada após longo tempo de ausência. Sampa amada e odiada na mesma proporção, mas quem a conhece pelas entranhas não te esquece e não vive longe de você nunca.

Em 1821 nascia, em Moscou, um dos maiores escritores de todos os tempos e até hoje cultuado pelos estudiosos de literatura comparada como um dos gênios que aparecem na família dos Sapiens poucas vezes na história. Esse escritor , considerado o pai da psicologia moderna, nasceu numa manhã fria do outono moscovita, era do signo de escorpião e seu nome era Fiodor Dostoiévsky. Entre tantas obras primas que deixou para a humanidade estão títulos como ‘Crime e Castigo’, ‘Irmãos Karamazov’, ‘O adolescente’, e muitos outros que serviram de inspiração para escritores de inúmeros países.
Escrevo esse preâmbulo para dizer que a estupidez dos Sapiens não tem limite. E não é que ,em decorrência da guerra iniciada há de menos de duas semanas entre Rússia e Ucrânia, não bastasse a estupidez da guerra , agora vários departamentos de literatura mundão afora cancelaram cursos de literatura russa, tirando, portanto, dos estudos os romances e contos memoráveis e inesquecíveis de Dostoiévsky.
E quando me deparo com a imbecilidade dos homens, me recorro, não a leituras religiosas ou cabalísticas, mas sim ao “Livro do Desassossego” de autoria de Bernardo Soares, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, e que só veio a luz para os homens de boa vontade no ano de 1982, após intenso trabalho de pesquisa dos professores portugueses Jacinto do Prado Coelho e Maria Aliete Galhoz que organizaram o baú do Pessoa com milhares de papéis avulsos jogados dentro.
E com esse mundo à beira da insanidade me recorro a Bernardo Reis para ler um trecho ao acaso do Livro do Desassossego.
LIVRO DO DESASSOSSEGO’

“Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa – não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio por nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio.
Há muitos em quem o desasseio não é uma disposição da vontade, mas um encolher de ombros da inteligência. E há muitos em quem o apagado e o mesmo da vida não é uma forma de a quererem, ou uma natural conformação com o não tê-la querido, mas um apagamento da inteligência de si mesmos, uma ironia automática do conhecimento.
Há porcos que repugnam a sua própria porcaria, mas se não afastam dela, por aquele mesmo extremo de um sentimento , pelo qual o apavorado se não afasta do perigo. Há porcos de destino, como eu, que se não afastam da banalidade quotidiana por essa mesma atracção da própria impotência. São aves fascinadas pela ausência de serpente; moscas que pairam nos troncos sem ver nada, até chegarem ao alcance viscoso da língua do camaleão.
Assim passeio lentamente a minha inconsciência consciente, no meu tronco de árvore do usual. Assim passei o meu destino que anda, pois eu não ando; o meu tempo que segue, pois eu não sigo.”
