O Dia que o prefeito Boneca chorou – o caos social na Catastrofe de 1967

A Dramática situação social de Caraguatatuba pós catástrofe de 1967
Por Pitágoras Bom Pastor de Medeiros
Fotos e documentos do Arquivo Público Municipal de Caraguatatuba
Nelson Moura, hoje um homem de 68 anos que se aposentou como servidor público da Prefeitura de Caraguatatuba, conta que era um adolescente, em 18 de março de 1967, quando aconteceu a catástrofe que arrasou Caraguatatuba. Seu pai tinha uma armazém de secos e molhados, no hoje bairro do Estrela Dalva e lá na sua casa pode acomodar muita gente. Ele mesmo chegou a pular na correnteza da enxurrada e ajudar algumas pessoas .
Nelson conta que uma coisa marcante para ele foi a chegada do prefeito Geraldo Nogueira da Silva, o Boneca , a sua. Boneca parecia transtornado. Abraço o pai de Nelson, João Alberto de Moura e chorou copiosamente. Desespero era visível no sembrante outrora sempre sensual do prefeito. Sim, o prefeito Boneca tinha esse apelido devido à sua boa aparência, que entremeada pelo fato dele ser um ótimo e emotivo orador, talvez um imitador de seu ídolo Jânio Quadros que também fora seu líder político. Boneca tinha razão para chorar? Nelson estranhou o choro. Afinal, como todo menino daquela época ele ouvia dizer que homem não chora. Boneca chorava porque tinha plena consciência do tamanho da catástrofe que abatera sobre a sua pequena cidade.
Boneca pediu ajuda a João Alberto que de pronto doou todo estoque de alimentos à prefeitura para que esta repassasse aos flagelados. A situação era de fato desesperadora. Apesar de todas as críticas que a oposição fazia a ele e continuou fazendo depois da catástrofe, Boneca nesse dia mostrou sua grande capacidade de liderança. Conforme noticiou um jornal paulista, mesmo com um pé torcido, fruto já de sua ação no socorro aos flagelados Boneca continuou liderando os esforços de salvamento.

Fechamento da Fazenda e o caos social
A entrevista que fizemos com Nelson Barbosa e o seu depoimento sobre o choro do Boneca, me fez voltar às pesquisas para encontrar documentos e fatos ainda pouco conhecidos do público. Um ofício do Boneca ao Presidente da República Arthur Costa Silva levantou a questão do iminente encerramento das atividades da Fazenda dos Ingleses, que alegava a catástrofe e aproveitava-se do Decreto de Calamidade Pública, para encerrar suas atividades desalojando 3 mil pessoas de sua área e pagando apenas a metade dos direitos trabalhistas. Boneca estava apavorado. A cidade que antes tinha 14 mil habitantes e tivera sua população reduzida para 9 mil , – tanto pelo número de mortes quanto pelo grande número de familias que migraram, tinha na Fazenda sua principal fonte de renda. Boneca enumerou assim as consequêncas do caos.
Geraria: 400 desempregados, sem nenhuma condição de arrumar novos empregos; 3 mil moradores desalojados ( os dependentes desses empregados e que moravam nos bairros sitos dentro da fazenda); diminuição de NCR$ 600.00,00 ( seiscentos mil cruzeiros novos) no giro do comercio local. Considerando que um jornal custava na época 0,20 centavos de cruzeiros novos e hoje custa cinco reais, essa renda hoje do total de trabalhadores seria o equivalente a algo como 3 milhões de reais. Além disso havia ainda mais 100 trabalhadores e 500 dependentes de ” lavouristas” próximos que trabalhavam em função da Fazenda. Desocupada a Fazenda, perguntava Boneca onde ele iria colocar 3000 pessoas desalojadas.
O ofício, que também foi assinado pelo presidente da Câmara José (Juca ) de Moraes Carvalho, cujo teor transcrevemos na íntegra, e cuja fac-simile segue abaixo, é um documento muito interessante para entender parte do caos social gerado pela catástrofe. Afinal, a retirada desse capital de giro resultaria num sério baque ao comércio local. Incrvelmente, no entanto, apesar das previsões justificadamente pessimistas do prefeito, a cidade superou todo esse trama humano e incrivelmente depois da catástrofe , encontrou o caminho do progresso, através de seu povo e dos prefeitos que vieram depois, Com destaque para Sílvio Luiz dos Santos, o Sílvio Careca, que assumiu em 1969 a terra ainda arrasada e Bourabeby que assumiu 10 anos depois da catástrofe, em 1977, aliás pondo fim à corrente política do Bonequismo, eis que este grupo foi derrotado duas vezes por Bourabeby. Uma em 1976 e outra em 1982, quando Bourabebey elegeu seu pupilo e depois adversário Jair Nunes de Souza.
Vejam o ofício do Boneca em fac-símile disponível no Arquivo Público ” Arino Santa de Barros” e sua transcrição na integra logo a seguir:


Transcrição da íntegra do Oficio
“Of. 4810/67
Caraguatatuba, 10 de maio de 1967.
Excelentissimo Senhor `Presidente
O prefeito de Caraguatatuba, respeitosamente, vem a presença de V.Excia, para expor o que segue, solicitando dessa forma todas as providências cabíveis ao caso em tela evitando-se dessa forma uma nova catástrofe em Caraguatatuba, CATÁSTROFE SOCIAL, de imprevisíveis consequências para a vida comercial e social do município.
Dêsde o o 1º instante que Caraguatatuba foi vítima do flagelo que aqui se abateu, repetidas vêzes êste Prefeito tem manifestado o seu receio maior pelas CONSEQUÊNCIAS da catástrofe , do que mesmo pela infelicidade que aqui se abateu no fatídico 18 de março p.p.
E como se observa hoje em nossa cidade, o desencanto é a constante do nosso povo, o comércio pequeno se fechando e o grande se preparando para o seu fechamento.
Isto pôsto, apelo à atenção de V.Excia. para o que segue: A FAZENDA SÃO SEBASTIÃO, DE PROPRIEDADE DA SOCIDADE ANÔNIMA FRIGORÍFICO ANGLO, a maior organização agrícola da região, situada nêste município, acaba de anunciar oficialmente O SEU FECHAMENTO, com propósito de pagar 50% das indenizações aos seus funcionários.
Para que V. excia, tenha uma idéia do que representa êste desastre permito-me enumerar por item, dando um quadro verdadeiro e objetivo da posição:-
1 – Caraguatatuba possuía antes da catástrofe 14 mil habitantes da chamada população fíxa.
2 – Calcula-se que sua população tenha sido reduzida , face à catástrofe, para 9 mil habitantes. ‘
3 A fazenda São Sebastião, possui 400, ou mais trabalhadores, num total calculado em 3 mil dependentes.
4 -A Fôlha de Pagamento da referida Fazenda ultrapassa a casa dos 1O mil cruzeiros novos mensais, que, considerando o 13° mês , alcança um total de perto de 600 mil cruzeiros novos a mais, que deixarão de circular no município.
5 – Todos os trabalhadores e dependentes da Fazenda, que funciona há 40 anos no município, residem nos diversos sítios da propriedade, O seu fechamento, portanto, implicará no desemprego de 400 homens, cuja mão de obra é totalmente impraticável o município absorver, sem considerar o aspecto mais sério do problema que é o HABITACIONAL, pois onde instalar dentro da cidade os 3 mil familiares, do dia para a noite?
6 – Em função da Fazenda vivem outros Bairros de lavouristas como aldeia, Pau D’alho, parte do Pirassununga, que inexoravelmente cessarão suas atividades, ocasionando com isto mais 100 desempregados e 500 flagelados.
7 – Dentro da Fazenda São Sebastião funcionam 5 Escolas Isoladas ( duas com dois turnos de aula, o que representam Escolas) que pura e simplesmente se fecharão pelo esvaziamento de alunos, sem considerar o ano letivo prejudicado que atingirá centenas de alunos.
8 – O deslocamento e a transferência de 3 míl pessoas do Município, em razão do fechamento da Fazenda, representa a diminuição de 1/5 da população fixa do Município, o que por si só fala do desespêro que nos domina.
Isto pôsto, Senhor Presidente, triste, desencantado é já combalido, vendo a cada dia as dores do flagelo atingirem todas as s esferas municipais, mesmo sem condições de raciocinar mais tranquilamente diante dêste quadro brutal, solicito e APELO VEEMENTEMENTE, à V.eXCIA. no sentido de que:
Interceder Junto a Union Gold Sporage da qual S.A Frigorífico Anglo é uma subsidiária, cuja sede é na Inglaterra, em Londres – , com escritório instalado em S.Paulo à rua Anchieta, 35 – 10º andar, para que NÃO FECHE a Fazenda em tela, o que seria um brutalidade pare nossa cidade,
b – Se nada fôr conseguido, que o Govêrno Federal, através do Ministério da Agricultura, pura e simplesmente desaproprio a Fazenda, restabelecendo-a e mantendo-a na plenitude de funcionamento.
* Na Impossibilidade de serem alcançados os objetivos propostos nas letras “A” e “B”, pelo menos como solução do aliviamento do problema financeiro dos trabalhadores, que se consiga seja a indenização de cada um paga dentro dos 100 % do direito
4 – Que sejam convocadas as forças vivas do Govêrno
Federal o Estadual para através dos seus diversos Departamentos Sociais a que o problema está afeto, passem viver o grave problema social iminente se nenhuma providência básica fôr tomada,
Isto exposto creio ter cumprido o meu dever, juntamente com o Presidente da Câmara Municipal , de dar o quadro que domina Caraguatatuba, atingindo a tôda sua população, a tôdas as suas autoridades e especialmente nos signatários dêste, que depositam nas maõs das autoridades brásileiras nossas últimas esperanças de vêr minorado o sofrimento que a cada dia nos abate mais.
Respeitosas Saudações
Geraldo Nogueira da Silva
Prefeito Municipal
José de Moraes Carvalho
Presidente da Câmara Municipal”
À S.Excia. ExcelentÍssimo senhor Marechal
ARTUR DA COSTA E SILVA
DD Presidente da República
*N. R. Mantivemos a ortografia original do documento.