Papai Noel Já

Diário do ano da peste de 29 de outubro 2021
Texto e Vídeo de Marcus Ozores
E hoje é sexta feira, dia 29 de outubro inicio de mais um feriadão de Finados e continuo lançando granadas contra o besteirol com “Só a poesia nos salvará” diretamente das areias de Barequeçaba.
Hoje sai do meu refugio dos Tupinambás aqui em Barê e fui a São Sebá no supermercado e na padaria de um jovem parisiense chamado Samuel que abriu uma padaria maravilhosa por aqui. E fiquei assustado com os enfeites de Natal por toda parte. Daí que minha memória voltou para minha infância em Trabiju, a minha Macondo de Gabriel Garcia Marques. Quando era criança, nos anos 50, o Natal era o dia mais aguardado do ano, afinal, era o único dia que nós ganhávamos presentes comprados em loja, aliás, na única loja de brinquedos de Araraquara, a loja da família Stella. Por isso, era comum que boa parte dos meninos ganhasse o mesmo presente: a sonhada bola de capotão que pesava uns 5kg quando molhada e as meninas ganhavam as mesmas bonecas que choravam quando era apertada, não existia ainda boneca com pilha.
Para podermos brincar, os meninos construíam seus brinquedos. Naquele tempo o óleo de cozinha vinha em latas em dois tipos , as quadradas e as redondas. Daí é que fazíamos trenzinho com lata redonda como sendo à maquina do trenzinho à vapor e os carros de passageiros com as latas quadradas. As rodinhas e os eixos do trenzinho eram feitos com rodinhas serradas do cabo de vassoura. Construíamos carrinhos de rolimã e dá-lhe joelho ralado nas ruas da fonte luminosa, onde morávamos em Araraquara. O melhor mesmo era passar na loja do seu Zezinho, na rua dois que vendia o bambu aparado e papel de seda para fazermos nossos papagaios.
Embora fossemos aprendizes de artesãos, naqueles tempos, o chic mesmo era exibir no dia 25 logo cedinho aquela bola, convidando a molecada para uma pelada no campinho que a gente mesmo tinha construído num terreno baldio.
E hoje retornamos ao veio poético da alma cabocla paulista, pois vou ler dois poemas de Paulo Setúbal, nascido em Tatuí, SP, em 1o de janeiro de 1893, e falecido em São Paulo, em 4 de maio de 1937. Órfão de pai aos quatro anos, sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Ela colocou o pequeno Paulo como interno no colégio do seu Chico Pereira. A família mudou-se para São Paulo, quando Paulo era adolescente e foi matriculado no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, onde estudou durante seis anos. Aí começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Leu Kant, Spinoza, Rousseau, Schopenhauer, Voltaire e Nietzsche. Na literatura, influenciou-o sobretudo a leitura de Guerra Junqueiro e Antero de Quental. Muitas passagens do seu primeiro livro de poesias, Alma cabocla, lançado em 1920, lembram a Musa em férias de Guerra Junqueiro. Paulo Setúbal foi pai do banqueiro Olavo Setúbal.
Vou ler de Paulo Setúbal dois poemas
A FORASTEIRA
Dissera-me o barbeiro da vilota,
Que essa elegante, essa gentil devota,
Que freqüentava assim as ladainhas,
Também quisera, em busca de bons ares,
Passar o mês das férias escolares,
Na mesma terra onde eu passava as minhas.
E ali, na vila, nessa pobre aldeia,
Tão incolor, tão rústica, tão feia,
Povoada de caboclos indigentes,
A forasteira, com seu ar touriste,
Com seu chapéu de plumas, com seu chiste,
Chocava o povo e deslumbrava as gentes!
E eu, que vivia a padecer nesse ermo,
A definhar-me, torturado e enfermo,
Nas nostalgias dessa vila odiosa,
Eu bem sentia, ao ver essa estrangeira,
Que na minh’alma, pela vez primeira,
Brotara a flor duma paixão furiosa…
SONETO
Vendo-a passar assim, tão meiga e pura,
Cheia de graça, tímida e singela,
Cuidai que essa criança doce e bela
É a candidez tornada criatura?
Andais assim tão recatado ao vê-la
Que esses olhos de esplêndida negrura
Macios como asas de gazela,
Nunca arderam de amor e de ventura.
No entanto, vendo às tardes, essa diva,
Vendo essa deusa triste e pensativa,
Brincar com os seus cabelos anelados,
Sabeis o que faz essa criatura linda?
Revolve as cinzas, tépidas ainda,
De um rosário de ardente namorados.