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Sem Lenço , sem documento Caetano segue vivendo e encantando

Crônica de Joban Antunes

 

Houve um tempo de glória que se foi, mas ainda continua. Continua com aqueles que tiveram suas glórias perseguidas, tentando emudecê-las ou sepultá-las, mas graça sua persistência, denodo e talento, eles sobrepujaram  tudo isso e explodiram em alegrias.

“Alegria, Alegria” Catano 81 anos

Estou citando isso porque, qual não  foi meu espanto e admiração quando na TV fiquei sabendo que o cantor e compositor Caetano Veloso, completa oitenta e um anos. Veio na memória aquele jovem de cabelos longos encaracolados, cantando “Alegria, Alegria” no festival da canção na Record em 1967, junto com os Mutantes, um grupo de jovens rebeldes. A canção falava da alegria de um povo amordaçado, de artistas e estudantes torturados por “ameaçar” o poder político de militares sem escrúpulos e sem amor ao povo brasileiro.

Na letra havia escondido, entre linhas,  o protesto do compositor que não tinha o direito de dizer o que pensava, pela imposição de uma censura rigorosa e impiedosa daqueles que se acham donos da verdade, imposta pela força.

Viola só nos consola e o amor não faz chorar”

“Caminhando contra o vento” era não aceitar a tirania. Tanto que ele foi deportado como criminoso contra seu amado país. Como disse Geraldo Vandré em sua canção “Quem disse que foi viola, quem disse que foi amar, viola só nos consola e o amor não faz chorar”.

Como você chorou, meu querido compositor brasileiro, quando preso sofreu na prisão e foi deportado. Que quando seu pai faleceu, você entrou no país escoltado, algemado. Via pessoas nas ruas e não podia falar com elas. Essa foi a “recompensa” de caminhar contra o vento. “sem lenço” por não poder se despedir do seu povo baiano e brasileiro que tanto amava. “sem documento” porque o documento que você tinha, era o amor pela sua pátria que eles te negaram. “O sol se reparte em crimes ” e “em caras de presidente”, era como um apelo para que os que não concordassem com a situação, se unissem para lutar pela democracia, que depois de muita luta voltou vinte anos depois.

“Sem lenço e sem documento, nada no bolsos ou na mão, eu quero seguir vivendo. Por que não?” Sem despedida, sem reconhecimento como grande compositor, sem armas nas mãos ou nos bolsos,  sem fuzil, apenas queria seguir vivendo, no seu país, e amado e querido pelo seu povo brasileiro. Por que não? Por que não? Por que não?

 

Vejam abaixo a linda letra de Caetano Veloso

Alegria Alegria

Caminhando contra o ventoSem lenço e sem documentoNo sol de quase dezembroEu vou
O sol se reparte em crimesEspaçonaves, guerrilhasEm cardinales bonitasEu vou
Em caras de presidentesEm grandes beijos de amorEm dentes, pernas, bandeirasBomba e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revistaMe enche de alegria e preguiçaQuem lê tanta notíciaEu vou
Por entre fotos e nomesOs olhos cheios de coresO peito cheio de amores vãosEu vouPor que não, por que não?
Ela pensa em casamentoE eu nunca mais fui à escolaSem lenço e sem documentoEu vou
Eu tomo uma Coca-ColaEla pensa em casamentoE uma canção me consolaEu vou
Por entre fotos e nomesSem livros e sem fuzilSem fome, sem telefoneNo coração do Brasil
Ela nem sabe, até penseiEm cantar na televisãoO sol é tão bonitoEu vou
Sem lenço, sem documentoNada no bolso ou nas mãosEu quero seguir vivendo, amorEu vou
Por que não, por que não?Por que não, por que não?Por que não, por que não?

Joban Antunes

João Batista Antunes , o Joban, é caiçara nato da praia da Enseada em Ubatuba, filho e neto de pescadores, que deixou de pescar peixes para pescar versos. É poeta, escritor e apresentador do Programa de Entrevistas Balaio Caiçara da Cancioneiro

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