Os Diários do Ozores

Nas Areias do Tempo: Encontros com Faraós, Pirâmides e Lendas

Uma jornada entre o presente e a eternidade no Egito, onde cada pedra carrega histórias de poder, vaidade e deslumbramento.

Diários do Egito – 27 de maio de 2025

Cairo

O retorno ao Cairo e os percalços da Air Egypt

Retornei ao Cairo na noite de ontem, dia 26, num voo da Air Egipty que saiu de Luxor atrasado como sempre, e desembarquei no Cairo às 22h30. Aviso àqueles que decidirem vir ao Egito: prestem atenção na hora de embarcar. Não existe sistema de microfones e ninguém te informa nada, salvo se você perguntar – e a resposta será sempre vaga. Ontem o atraso ocorreu porque não havia ônibus para levar-nos até o embarque.

Rumo às pirâmides: sonho antigo realizado

Bem, sanado o pequeno problema, hoje acordei cedo, pois o guia que está me acompanhando desde que cheguei a Assuã veio me pegar no hotel exatamente às 09h00. Hoje era o dia tão esperado: visita às três pirâmides, as últimas maravilhas do mundo antigo que sobreviveram até os nossos dias.

Confesso que, conforme a van se aproximava das pirâmides, localizadas a 25 km do centro do Cairo, tive um grato momento de felicidade e até senti um palpitar mais forte dentro do peito. Afinal, desde muito jovem sonhava estar aqui, no deserto do Saara, defronte a essas três pirâmides: Quéops, Quéfren e Miquerinos. A maior pirâmide é Quéops, conhecida como Gizé. Esta pirâmide, construída pelo faraó Quéops, é a mais alta estrutura feita pelo homem há cerca de 4.000 anos, com 139 metros de altura. É a maior das três pirâmides no complexo de Gizé.

Crenças antigas, ecos modernos

O objetivo da construção das pirâmides era conservar o corpo dos faraós até o suposto juízo final, vamos dizer assim, e depois eles – os escolhidos pelos deuses que eles criaram – iriam ser ressuscitados e se tornariam deuses. Pois bem, acho que todo mundo já ouviu essa mesma história desde que nascemos. A diferença é que não achamos que vamos ressuscitar deuses, mas em todo o resto fomos educados para acreditar.

Lembranças e conexões afetivas

Hoje o Cairo amanheceu com temperaturas amenas, com mínima de 19 e máxima de 30. Comparado com Luxor, uma temperatura de outono, provavelmente. Me lembrei de um amigo querido que me contou que veio com a mãe, já idosa, visitar as pirâmides e, quando iam sair do hotel, a mãe estava no saguão com uma blusinha de lã no braço. E ele perguntou o porquê do casaquinho, o que prontamente ela respondeu: “Vai que bate um ventinho”.

No fundo, nosso processo de memória é incontrolável e vêm à cabeça cenas e fatos que escutamos ao longo da vida e, estar ao lado das pirâmides, parece que esse lado de pensamentos desconectados surge sem controlarmos.

Visitantes ilustres e seus delírios de grandeza

Para nós, comuns mortais, lembramo-nos de pequenos detalhes. Mas, quando o sujeito vem aqui, em Gizé, e tem mania de grandeza, tudo muda. Lembro que Alexandre, o Grande, também se maravilhou com as pirâmides e, como conquistador, foi até o oásis de Shiva encontrar o oráculo e, como ninguém gravou nem filmou, Alexandre saiu de lá dizendo que o oráculo disse que ele seria faraó do Egito e dono do mundo, quase um semideus.

Júlio César também passou por aqui e até acabou tendo um caso de amor com a Cleópatra, e teve um filho com ela, o Cesarino. Dizem que a famosa frase dele: “Vim, vi e não acredito no que vejo” foi dita aqui defronte à pirâmide de Quéops. Bem, é o que dizem à boca miúda; já se é verdade ou não, não vou me meter nessa conversa.

Aliás, apenas uma curiosidade: depois que o Egito passou a fazer parte do Império Romano, os nobres ricos de Roma começaram a ser enterrados em construções piramidais. Existiam centenas delas na Roma antiga, e sobreviveram algumas. Uma delas é na estação Piramide e outra é num cemitério ali perto, no Testaccio.

Mas acho que ninguém superou o ego de Napoleão. Depois de sacrificar a vida da metade dos seus soldados, que ele obrigou a atravessar o deserto do Saara com uniforme de lã, veio até as pirâmides e, ao lado da Esfinge, disse: “Daqui, quarenta séculos me olham”. O cara não era modesto, não.

E outro que também esteve aqui e deixou seu nome gravado na pedra, e subiu até o topo da pirâmide, foi nosso Imperador D. Pedro II. Lá do alto dos 140 metros, Pedro II não viu o Brasil, mas encontrou com 11 jovens moças da liga norte-americana feminista. Se não acreditam em mim, basta ir no acervo da Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional que vocês encontrarão os diários do Imperador na íntegra.

O lado prático: logística entre pedras milenares

Os arqueólogos encontraram até hoje algo em torno de 138 pirâmides que serviram de tumba para faraós com sonhos de se tornarem divinos. Dessas, só restam ruínas. Notei que ao lado das pirâmides existem algumas outras bem menores, e aprendi que eram essas destinadas ao sepultamento dos familiares do faraó.

As três pirâmides foram construídas no deserto, portanto, aqui é muito seco e as pirâmides são muito distantes umas das outras. Depois que você passa pelas catracas de entrada, entra dentro de um ônibus com ar-condicionado que faz rota permanente circundando as três pirâmides, e o ponto final é na Esfinge. O ônibus faz parada em todas as pirâmides para que as pessoas desçam e depois tomem o ônibus novamente até a próxima, e assim sucessivamente.

Agora um aviso: o ônibus não é nada amigável e, para entrar, você se depara com cinco degraus íngremes. Portanto, se você tiver algum tipo de dificuldade locomotora, não venha que não vai conseguir sequer entrar no ônibus.

Defronte à Esfinge fotografei e posto aqui nesse diário para vocês conferirem. Quando as pirâmides e a Esfinge foram construídas, havia um braço do Nilo que passava ao lado da cabeça da Esfinge. Por isso que existe um resto de porto no local e, tempos atrás, foi descoberto um barco a remo, de uns 20 metros, enterrado junto aos pés da Esfinge.

O Novo Museu do Cairo: um gigante ainda em construção

Na parte da tarde fui visitar as instalações do Novo Museu do Cairo, que é um imenso complexo cultural que não envolve só museu, mas oficinas de arqueologia, conservação, ensino, biblioteca e pesquisa de ponta na área arqueológica. É considerado como o maior museu do mundo no momento, mas eu não costumo acreditar nessas bravatas. Me lembra as nossas brasileiras de sermos maiores do mundo, só se for, nesses tempos atuais, em campeonato de bolinha de gude ou cuspe à distância.

Ao entrar no museu parece que você está entrando num imenso hangar com uma claridade perfeita e temperatura controlada (que boa notícia). A arquitetura é absolutamente inovadora e maravilhosa. Não consigo descrever para vocês esse prédio tão lindo. Na entrada, você se depara com a maior estátua exposta, que é – e só poderia ser – dele: Ramsés II, o mais longevo faraó, que morreu com quase cem anos.

Acho não, tenho certeza que a vida de Ramsés II é a mais documentada nos hieróglifos do país. Todo lugar você encontra uma estátua grande, média, pequena do Ramsés II. Detalhe: todas as estátuas mostram Ramsés II jovem e forte. Aprendi também que os faraós nunca são representados velhos – são eternamente jovens. Eles e Dorian Gray.

Esse museu, diferentemente de muitos que encontramos mundo afora, não é depósito de estatuárias, documentos, roupas etc… é um museu que tenta ser o mais didático possível, e as peças estão distribuídas pelas dinastias e pelos períodos que os arqueólogos classificam os documentos encontrados.

Outro detalhe maravilhoso é que, na parte superior de uma escada imensa – como se fosse cópia da escada do templo da faraó Hatshepsut – você dá numa parede de vidro gigantesca e tem à sua frente as três pirâmides.

O museu não foi totalmente inaugurado e, aqui, estarão expostos em breve a cripta e todas as joias encontradas na tumba de Tutancâmon. No mês que vem, o museu será fechado para finalizar as obras previstas e o atual governo militar pretende fazer uma festa monumental, talvez parecida com a apresentação da ópera Aida, de Verdi, quando da inauguração do Canal de Suez.

Amanhã tem mais.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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