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Diário de ParisS 27 de fevereiro de 2023, Segunda Feira

Texto e Fotos de Marcus Ozores
Marcus Vinicius Pasini Ozores e jornalista e pesquisador associado da Unicamp em Ciências Sociais
Marcus Vinicius Pasini Ozores e jornalista e pesquisador  da Unicamp

Meus caros e caras amigas desse espaço virtual que acompanham minhas aventuras e desventuras pela ‘cité de Paris’. Ontem foi domingo e fomos a um belíssimo concerto de piano (gratuito) de Jean (enfant terrible) Dubé, na igreja de Saint-Merri, no coração do 4éme. Um grupo de aficcionados por música erudita mantém um programa pianístico durante nove meses – de outubro a junho – todos os domingos com os mais importantes nomes do mundo e, o melhor, gratuito.

Concerto  na igreja Saint Merri com  o pianista Jean Dube

Ontem, devo comunicar aos amigos desse espaço, foi o segundo dia que ‘le grand froi a est arrivé a Paris’, isto é, o frio de fevereiro finalmente chegou. Uma sábia tradição local alerta que quando o frio é pouco em dezembro e janeiro prepare-se para o final de fevereiro quando normalmente um frio imenso quase sempre chega. Me lembro, eu não, o maldito face, me lembra que, há exatos 5 anos, estávamos em Veneza, nessa mesma época, e nunca vi tanta neve na vida. Em Veneza, naquele ano, a neve passava de 20 cm durante os 10 dias que lá ficamos. Foi o ano do ‘grand froid’ vindo da Rússia.

Como hoje é segunda e o frio do lado de fora da janela (troquei a mesa do escritório para sala, minha sobrinha vai chegar com uma amiga para ficar 15 dias aqui conosco), deu uma preguiça danada de sair do apê, daquela preguiça igual a do nosso herói sem caráter, Macunaíma, como nunca nos deixa esquecer Mário de Andrade. Espero que meu amigo André Botelho, um dos maiores especialistas em Mário, não me deixe mentir sozinho.

 Ouça Dubé aqui

Daí que, como não vou sair hoje, nem pra comprar pão, vou escrever sobre o ontem e a beleza do concerto do jovem Jean Dubé, de apenas 33 anos, que encantou o mundo musical aos quatro, na sua cidade natal de Nice (sul da França) com um concerto. Aos nove anos ganhou o primeiro lugar com honras o concurso nacional de ‘Juenes Prodiges Mozart à Paris’. Dai em diante não parou mais e ganhou todos os prêmios de um concertista de piano.

O programa de Dubé foi, para mim, surpreendente, uma escolha eclética com total de 9 compositores. Destes só conhecia na verdade Grieg, Tchaikovski, Granados e Listz. Os demais nunca tinha ouvido falar. E mesmo os concertos dos quatro conhecidos ele escolheu peças que quase nunca são tocadas, pelo menos em Terras dos Papagaio. Entre os outros cinco compositores (Hannikainen, Cadman, Tomasi, Severac e Orac) os que mais me encantaram foram dois compositores: o marselhês Henri Tomasi, com a peça ‘Le poème de Cyrnos e Preston Ware Orem norte americano nascido na Filadelfia em 1865 e falecido em 1938. A peça que me surpreendeu foi ‘American Indian Rhapsody’ pela beleza e pelo fato que, nos primeiros acordes, você é transportado para um universo dos peles vermelhas, sem se dar conta. Creio que pelo fato de Oren ser associado ao grupo de compositores indianistas sua música deve ter influenciado os compositores de Hollywood, que inundaram minha geração com músicas para os filmes de bang-bang. O som de Oren é inspirado nas músicas das tribos Kiowa , Sioux , Chippewa , Pueblo e Cree e, por isso mesmo, quem foi menino, nos anos 50 e 60, sempre se lembrará das entonações musicais quando a câmera, em plano aberto, mostrava os ‘perversos índios’ preparando-se para a guerra e prontos para atacar os brancos cristãos e coitadinhos que estavam indo, no velho oeste, civilizar os índios pagãos levando numa mão a bíblia e na outra um rifle.

Vista da Igreja de Saint Merri

A apresentação de Jean Dubé é um destaque a parte. Apesar dos seus 33 anos ele parece mais envelhecido e de perto (estávamos sentados a menos de um metro do piano) ele é baixo e lembra muito o ator norte americano Dany de Vito. Sua técnica é surpreendente. Muito embora eu não seja expert musical, ao longo dos minhas décadas de vida, já ouvi muito concerto, mas o de ontem realmente vai ficar no registro da memória para sempre. A precisão e o toque perfeito nas notas fez com que a plateia permanecesse imóvel e não se ouvia um suspiro, uma tosse seca, um espirro. Pena que o público desses concertos é formado por pessoas de idade provecta, mas o som de Dubé teve a magia de ocupar todos os espaços da belíssima igreja de Saint-Merri, construída no mesmo local onde o eremita Saint Méredic foi sepultado, no ano 700.

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A belíssima igreja ; Foto MVO 26/02/23

A atual igreja foi construída sobre os escombros da antiga que havia nesse lugar, durante os anos de 1500 a 1565. Em pleno renascimento, a igreja é do estilo gótico flamejante. No mesmo período, em Portugal, Dom Manuel, o Venturoso, mandou construir o Mosteiro dos Jerônimos no estilo gótico tardio, mesmo de Saint-Merri, em Portugal o estilo ficou conhecido como português tardio ou flamejante.

Saint -Merri – Foto MVO

Leia também de Marcus Ozores Os domingos de Paris 

A estatuária de Saint-Merri é belíssima assim como os afrescos que foram realizados entre os anos de 1843 e 1849, por grandes nomes da pintura que decoraram as capelas do deambulatório. Em 1862, a igreja foi tombada como monumento histórico. Em 1871 , um incêndio destruiu o terceiro andar da torre sineira quadrada, permitindo assim que esta torre sineira recuperasse a sua altura original (dois pisos). Os vitrais são do século XVI e hoje mais da metade não existe mais. Quem vier a Paris a visita a Saint-Merri é obrigatória, claro para aqueles que apreciam a maravilha que a arte é capaz de produzir nos seres humanos. De qualquer maneira a igreja está fechada para visitação fora do horário das missas e da apresentação dominical. Toda parte interna está em recuperação e pelo jeito ainda vai durar muitos anos.

Nas últimas décadas a igreja de Saint-Merri é conhecida como uma igreja ligada aos partidos de esquerda. Talvez por isso mesmo que me chamou a atenção a presença de vários ‘clochards’ durante a apresentação (fotografei um em especial). ‘Clochard’ que é uma instituição francesa e parisiense em particular. ‘Clochard’ é termo genérico que designa pedintes, mas o termo por aqui e ninguém os incomoda. Os ‘clochards’ estão nas ruas de Paris há centenas de anos e são respeitados e fazem parte da paisagem da cidade. ‘Clochard’ não são apenas pedintes, mas para muitos uma alternativa de vida, assim como foram os hippies na década de 60 e 70. Lembro que, há mais de 20 anos, quando moramos em ‘Buttes Chaumont’, durante todo o inverno, havia um ‘clochard’ que morava dentro das escadarias do metrô. Ele nunca foi importunado nem pelo polícia nem pelos moradores. E todos os dias o filho ou a esposa levava comida e roupa limpa para ele. Isso é outra história.

Torre de Saint Marri
Torre de Saint-Merri, Foto MVO 26/02/23

Ao sair da igreja de Saint-Merri ao fotografar a torre da igreja distante estava parada no Céu a Lua em Quarto Crescente como testemunha permanente, da comédia humana.

 

Post Scriptum: Da série o Brasil é uma piada.

Acabo de ver nas mídias sociais e nos sites dos jornais, das Terras de Pindorama, um vídeo de 6 minutos estrelado pelo Eduardo ‘Bananinha’ Bolsonaro, apresentando “Bolsonaro Store” um site da família destinado a vender produtos personalizados do Mito. O carro chefe é calendário velho, já que está vendendo em março, camiseta, copo, tabua de churrasco. Em breve, e muito aguardado, está programado para entrar na oferta de produtos novos modelos de cueca em cores rosa e bordô que traz a frase: ‘Cueca do imbrochável’ e abaixo do texto a foto de uma prótese peniana no frontal do vestuário masculino.

N. Da R. E já tem concorrente. Vejam

SOS litoral norte

O Coletivo caiçara de São Sebastião está ajudando desabrigados de todo litoral norte
O Coletivo caiçara de São Sebastião está ajudando desabrigados de todo litoral norte

 

 

 

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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