Os Diários do Ozores

Sentimento do mundo

Diário do ano da peste de 11 de setembro 2021

Texto e vídeo de Marcus Ozores

E hoje é sábado dia 11 de setembro. Se ontem eu me lembrei que se passaram 20 anos do assassinato do Toninho, ex prefeito de Campinas, hoje é inevitável que me lembrasse dos 20 anos dos ataques às torres gêmeas em Nova Iorque. Quem tem mais de 25 anos com certeza se lembrará onde estava nesse dia por volta das 9 horas da manhã, horário Brasília. Eu havia ido ao velório do prefeito de Campinas no paço municipal e, naquela época o plenário da Câmara Municipal ficava no térreo da entrada do Paço, logo a esquerda (só uma referência geográfica não tendência política, é claro). E como o único café disponível para jornalistas era na cantina da Câmara municipal lá estava toda a troupe de jornalistas de Campinas, região e brasileira. Políticos de vários partidos também se faziam presentes no café junto aos jornalistas e todos comentavam em baixo tom de voz a tragédia ocorrida com o prefeito e já traçando planos para ver quem ocuparia o espaço deixado pelo Toninho na política municipal e, quiçá, estadual. Até que.

Em toda história de suspense tem um até.  Foi quando um segurança (provavelmente no governador, pois, era a única pessoa com um fone de ouvido na época em que essa modalidade ainda não existia para os celulares da época) gritou: ” começou a Terceira Guerra Mundial”. Naqueles tempos (parece uma eternidade vendo a partir de hoje) não havia (que maravilha) esse jornalismo imediatista que coloca imagens no ar durante horas e o jornalista não explica nada para quem assiste e fica só descrevendo o que ele, eu e todo mundo está vendo. Até parece narrador de futebol em transmissão ao vivo pela tevê.

E foi assim que eu vi e minha geração assistiu a barbaridade primeiro ao ataque das torres que hoje cinicamente todas choram, mas não falam que os EUA invadiram e destruíram um país inteiro, o Iraque, dois anos após o ataque às torres gêmeas, com base em mentiras infundadas da CIA informando que o governo de Sadam Hussein detinha armamento nuclear. Para as milhares de famílias iraquianas que perderam seus filhos só resta o esquecimento.

E num dia como o de hoje me lembrei de um poema do nosso menestrel Carlos Drummond de Andrade que dispensa apresentações e de quem já li vários poemas aqui nessa minha luta contra a insanidade com o “Só a poesia nos Salvará”
O poema que lerei de Drummond é:

 

Sentimento do Mundo

Poema de Carlos Drumond de Andrade

 

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais que a noite.

 

Foto: Carlos Drumond de Andrade – fonte Wikipédia

Marcus Vinicius Pazini Ozores, é jornalista e mestre em Sociologia, pela Unicamp. Foi assessor de imprensa dessa universidade onde continua como pesquisador . Trabalhou em grandes órgãos de mídia nacional> Aposentado, atualmente solta torpedos em versos de seu refúgio a praia de Baraqueçaba, em São Sebastião, onde reside.

 

 

 

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Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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Um Comentário

  1. O poema de Carlos Drumond de Andrade nos remete a uma reflexão profunda, mexe até com a nossa sanidade mental

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