Os Diários do Ozores

A Morte ronda a poesia

Diário do ano da peste de 17 de outubro de 2021

Texto e vídeo  Marcus Vinicius Ozores

E hoje é domingo dia 17 de outubro,  uma primavera com cara de inverno aqui na república anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba,  onde passo minha existência entre o mar e a serra e disparo minhas granadas contra o besteirol nacional com “Só a poesia nos Salvará”.

E hoje nem vou fazer meu preâmbulo antes de apresentar o poeta que lerei, pois a vida do poeta modernista paraibano Severino Peryllo Doliveira é uma aventura brasileira. Peryllo nasceu na antiga povoação de Cacimba de Dentro, município de Araruna, na Paraíba, em 4 de dezembro de 1898. Mulato, órfão de pai aos três anos de idade, morreu solteiro e nunca frequentou escolas. Aprendeu as primeiras letras, enquanto trabalhava como caixeiro duma mercearia, e aprendeu sozinho ,  sem nenhuma orientação, o que não o impediu de transformar-se. mais tarde, no grande jornalista, poeta e literato. Iniciou a vida como ator, carreira que seguiu por mera casualidade.

Em 1913 a Companhia de Variedades, se apresentou em Cacimba. O pequeno circo era administrado pela atriz italiana Irene Concepitini e Peryllo sentindo-se atraído pela atriz, integrou-se ao grupo e seguiu à caravana, Brasil afora. Apresentou-se como ator, nesta companhia, em quase todos os Estados do Brasil, tornando-se famoso e requisitado por outras produtoras.

Em 1917, estreou no Teatro São José, no Rio de Janeiro, onde foi trabalhar na Companhia de Brandão Sobrinho. Em 1920, fez uma turnê pelo interior do Brasil desde o Norte de Minas até o Rio Grande do Norte.

Na sua vida de ator, Peryllo Doliveira trabalhou nos teatros Trianon e República, do Rio de Janeiro, ao lado de artistas como Amalia Capitani, Irene Conceptini, Candida Palace, Ferreira de Souza, Leopoldo Fróes, todos eles, nomes consagrados nos palcos.
Em maio de 1920, Peryllo Doliveira chegou à capital da Paraíba, completamente anônimo. Após três anos de clausura na arte de representar, já instalado e de volta à cena teatral. na comédia, tragédia e dramática, na  capital da Paraíba, em março de 1923, apresentou-se no teatro Santa Rosa, no papel principal da peça ‘Água mole em pedra dura…’, com sucesso estupendo. Deixando o palco, dedicou-se à literatura e ao jornalismo, tornando-se conhecido como um dos maiores incentivadores do movimento de renovação literária do Brasil: o modernismo.

Conseguiu publicar seus primeiros versos na revista Era Nova, periódico que marcou época na vanguarda do movimento modernista e agregava nomes como Américo Falcão, José Rodrigues de Carvalho, José Américo de Almeida, Ademar Vidal, Eudes Barros, Sinésio Guimarães, Silvino Olavo e outros.Além de ator e poeta, Peryllo Doliveira era pintor e costumava pintar os cenários de seus festivais de artes. No livro Canções que a vida me ensinou, a capa e as ilustrações são do próprio autor.

Em 1928, publicou Caminhos Cheios de Sol, talvez, sua melhor obra, e onde se mostra definitivamente alinhado ao espírito renovador da literatura brasileira. Em fins de 1928, o poeta já se sentia doente; a tuberculose minava-lhe o peito. Tentando melhoria para sua saúde, transferiu-se, com seu modesto emprego, da Secretaria de Administração do Governo à Mesa de Rendas de Monteiro. Em 1929, escreve “A Voz da Terra” , dedicado ao presidente João Pessoa. Este foi o seu último  seu último trabalho.

Em junho de 1930, já bastante doente, Peryllo deixou o trabalho e foi morar com sua mãe. Peryllo Doliveira faleceu logo após a meia noite do 26 de agosto de 1930, aos 32 anos, faleceu em sua residência, à avenida 12 de outubro, no bairro de Jaguaribe, na Cidade da Paraíba nomeada  hoje João Pessoa.

Aliás, foi exatamente um mês antes da morte de Peryllo, no dia 26 de julho de 1930, que o governador João Pessoa estava na cidade de Recife e tomava café na Confeitaria Glória , quando o advogado João Dantas,  seu adversário político na Paraíba, adentrou a Confeitaria e fez disparos contra  o peito de João Pessoa,  atingindo-o mortalmente.  Até hoje especula-se se a causa do assassinato de João Pessoa teria sido motivada por questões políticas, pois, era candidato a vice presidente na chapa de Getúlio Vargas ou crime passional, uma vez que a polícia da Paraíba, a mando de João Pessoa, havia invadido o escritório de João Dantas e apreendeu e fez publicar na imprensa cartas de Dantas a sua amante. Se foi político ou passional o assassinato, não importa para a história. O fato é que o corpo de João Pessoa  embalsamado  percorreu o Brasil,  num cortejo bufo que acabou por ser o estopim para o inicio de novo processo político do Brasil,  com a ascensão ao poder, através da força das armas, do deputado federal e candidato à presidência naquele ano, Getúlio Vargas. O episódio entrou para a história dessa triste república de Pindorama como Revolução de 30.  Pena que Peryllo Doliveira não estava vivo para ver que como que o assassinato do seu bem-feitor contribuiu para pôr fim à política café com leite. Seus versos modernistas podem ser observados nesse poema que vou ler

Mulheres do Meu Brasil

“— Mulheres do Norte.
Bahia, Recife e Pará.
Oh! lindas patrícias
nem sei onde devo ficar
Tão grande este Brasil dos meus pecados!
— Brasil sem modos, moreno, piegas.
— Maxixes, modinhas, pastoril, catimbó.
Brasil valentão, ciumento,
que por qualquer coisa
catuca o amor e o destino com faca de ponta”.
— “Morenas do Norte
Natal, Paraíba, Ceará.
— Não olhe para mim dêsse modo, meu bem.
— “Mas que boniteza de corpo!
que seios redondos!
que ancas, que andar!
Nem pisa no chão!
E o que mais me machuca, meu Deus,
é o olhar que ela tem…
— “Teus olhos são negros, negros
como as noites sem luar…”
Me deem depressa um violão!
Serenatas de amor…
E a gente a sofrer e a cantar.
— “Patrícias do Norte
Morenas e brancas,
faceiras, fidalgas, ardentes, gentis.
Deixem lá que nós temos razão
de andar consumidos de amor por vocês”.

Já no fim da vida, devorado pela tuberculose, Peryllo fez um poema confissão já cinzelado nos últimos momentos mais como um romântico              que um modernista:

FALANDO À MORTE

Não és, oh! Morte, o término da Dor,
Nem o fim da tristeza que a alma enlaça,
Não se esgota em teu seio a amarga taça
Que tragamos num último estertor.
Também não és o espectro aterrador
Cujo hálito de gelo nos trespassa
Apagando os vestígios da desgraça,
As nossas ilusões, a Fé e o Amor.
Não és mais que a aurora de outros dias,
O início de futuras agonias,
De outras angústias que hão de renascer.
Enfim, és o crisol de onde promana
A purificação da raça humana
Na sucessividade do viver.

 

Marcus Vinicius Pazini Ozores, é jornalista e mestre em Sociologia, pela Unicamp. Foi assessor de imprensa dessa universidade onde continua como pesquisador . Trabalhou em grandes órgãos de mídia nacional> Aposentado, atualmente solta torpedos em versos de seu refúgio a praia de Baraqueçaba, em São Sebastião, onde reside.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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