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Chico Buarque, a Revolução dos Cravos e a ditadura militar

Diário do Fim do Mundo

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Ozores

 

Diário do Fim do Mundo , segunda feira, dia 25 de abril do ano de nuvens cada vez mais negras de 2022 e eu continuo lançando as minhas granadas provocativas contra o festival de besteiras que assola o país ,com ‘Só a poesia nos Salvará’ diretamente da minha trincheira da República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba.

E hoje é 25 de abril e me vem a memória que eu e um grupo de 10 colegas da Unicamp, naquele distante 25 de abril de 1974, estávamos reunidos ali no Centro Acadêmico,  em um quarto esfumaçado de fumaça  dos cigarros,  e todos estávamos  com ouvidos atento em volta de um daqueles potentes rádios grandões da Panasonic – com 5 ondas curtas – para acompanhar as notícias da BBC.  É que, desde o início da manhã daquele dia, os jovens portugueses, na companhia dos jovens capitães das Forças Armadas Portuguesas,  saíram às ruas de Lisboa, e pacificamente, pararam os tanques que rondavam a capital portuguesa e distribuíram cravos vermelhos – símbolo da início do verão e da esperança – para os jovens soldadinhos ainda imberbes, nas ruas e nos quartéis.

O movimento dos capitães das três Forças, naquele 25 de abril, pôs fim a 41 anos de regime do tirânico, iniciado pelo economista Antônio de Oliveira Salazar, um homem estranhíssimo, que só se vestia só de ternos pretos, solteiro e que  morou com a mãe até  morte dela. Os jovens capitães estavam cansados do isolamento de Portugal frente à Europa e cansados da matança sem sentido levada a cabo pelo governo tirânico de Salazar nas colônias africanas.

Como, nos dias de hoje. vivemos sob a ameaça da volta de Estado Militarizado,  pelo enfrentamento do capitão daqui, que não tem nada a ver com os capitães de Portugal, escolhi para ler hoje a letra / poema de autoria de Chico Buarque e Rui  Guerra ‘Fado Tropical’.

Calabar- Foto do acervo Instituto Moreira Sales

Essa  música foi composta em 1973, para a peça “Calabar ou o elogio da traição”, portanto, um ano antes da Revolução dos Cravos em Portugal e 9 anos depois  do início da ditadura militar aqui  no Brasil.

Fado Tropical apresenta uma crítica à colonização portuguesa naquela , mas sob ela, carrega uma poderosa crítica à ditadura civil-militar instaurada aqui em 1964.

Passados 48 anos desde a composição dessa musica e 47 anos desde a Revolução dos Cravos, essa música de Chico e Rui Guerra , está mais presente que nunca, só que agora gostaria que a letra fosse reescrita, para que pudéssemos pedir no refrão que ‘Brasil vai cumprir seu ideal e transformar-se num imenso Portugal’ , mas com outro sentido, isto é, com o fim da apartheid social, da miséria e acabar com as intenções golpistas do capitão e seus asseclas que desrespeitam cotidianamente à Constituição. Lá  não tem nenhum presidente que se diz ungido por Deus. Quem é ungido por Deus, deve ir para Israel,  provavelmente e se transformar num rei Davi, não aqui onde nos temos aqui um fado tropical, onde que os  nossos tupinambás eram anarquistas.

FADO TROPICAL

Chico_Buarque_no_BRAVO -Flickr – Wikicommons

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril

Mas não sê tão ingrata!
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!

Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora.

Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!

Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoa

E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre trás-os-montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial!
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial!

 

 

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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