Venha a Paris Na Primavera

Hoje esse é o último dia desse Diário de Paris. Embarcamos domingo cedinho para Sampa Desvairada deixando para trás Paris, nesse inicio da primavera. Pessoalmente acho a primavera melhor época para visitar a cidade. O céu sempre azul e temperatura amena antes de chegar aquele calor insuportável do verão parisiense época que a cidade vira fantasma com maior parte do comércio e espetáculos fechados, incluindo ai restaurantes (se bem que hoje são muito poucos os bistrôs parisienses que ainda estão de portas abertas). Começo a escrever esse último diário, às 11h45 (hora local), no momento que soam as badaladas da igreja franciscana de Paris onde fica o Seminário da ordem. Metade da quadra em frente ao apartamento que alugamos aqui, na Rue du Père Coretin, pertence aos Franciscanos.
O mais curioso é que em frente a porta principal da Igreja, que se abre para a rue Marie Rose, morou durante dois anos (1909-1911) Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pela alcunha de Lenin. Lembro que li décadas atrás uma biografia de Lenin onde o autor dizia que o líder da revolução russa tinha paixão por jogar xadrez e quando residiu em Paris manteve amizade com um padre que, assim como ele, era apaixonado pelo xadrez. Talvez Lenin e o padre se encontrassem em algum café aqui perto ou fossem ao parque Montsouris para partida semanal e troca de ideias, numa manhã primaveril. Quem sabe?
Paris na primavera me lembra Edith Piaf cantando ‘Sous le ciel de Paris’ e o clássico ‘Paris in april’ na voz perfeita de Ella Fitzgerald. Paris na primavera lembra sol, passeios ao longo do Sena, caminhadas em Montmartre e Buttes Chaumond, a guinguette do Christian e flanar essas alamedas do Parc Monceau, o mais lindo da cidade onde Marcel Proust fazia suas caminhadas diárias.
Veja aqui Sius Le Ciel de Paris
Deixamos Paris desta vez em meio a uma turbulência política que não se sabe onde vai dar. Isso porque o ‘enfant terrible’, usando de cautela, para não perder votação na Assembleia Legislativa a reforma da aposentadoria, optou por um ‘golpe branco’, incentivando sua primeira-ministra a usar o artigo constitucional 49,3. Ontem a noite houve manifestações em Paris e em várias capitais regionais.
Logo após o anuncio da decisão do governo a massa de manifestantes parisienses se concentrou na ‘Place de la Concorde’, que fica defronte a prédio da Assembleia Nacional, mas do outro lado do Sena, na margem direita. Aí o pau comeu. Manifestantes tocaram fogo e caixas e pneus e vários prédios comerciais foram vandalizados. A tropa de choque entrou e ai foi borrachada prá todo lado com vários presos, dentre eles, leio no Le Parisien de hoje, um jovem filho de brasileiros residentes por aqui. Nessa manhã de 17 de março ouço, pela janela do fundo do apartamento, o som das sirenes tocando freneticamente.
‘Paris toujours Paris’ como diz a letra da chanson ‘Paris sempre Paris’ na voz de Maurice Chevalier, personagem habituée da tela do cine Odeon de Araraquara, quando criança me encantei, pela primeira vez, pelas ruas e pelos cafés parisienses. Melhor ainda escutar ‘Que reste-t-il de nos amours ?’ – composição de 1942 de autoria de Charles Trenet – na voz de Zaz, cantora nascida em 1980, a melhor interprete atual da chanson francesa ao ritmo de ‘Gipsy Jazz’. Se você ainda não escutou Zaz veja aqui no Youtube e comprove o que estou dizendo. Voz afinadíssima e inovadora.
Veja aqui ‘Que reste-t-il de nos amours ?”
Deixo Paris com a certeza de que a cidade continuará aqui ano que vem. Não importa quantas vezes essa cidade ficará com lixo transbordando ou com serviço de transporte falho o fato concreto é que Paris é indestrutível. Paris sempre supera as dificuldades e renasce como Fênix das cinzas. Estávamos aqui no final de 2019 e ficamos até fevereiro de 2020 (inicio da pandemia da covid) e pegamos greve geral que paralisou durante três meses o transporte da cidade. Estamos no segundo quartel do século, da Geração YZHTW e mais um monte de coisas que não tenho ideia, o século da tecnologia, por isso parto com a certeza que a cidade não arderá em chamas como na Revolução de 1789 ou durante a Comuna de 1871 e nas infinitas vezes que a cidade foi invadida ou queimada nos últimos dois mil anos.
Ano que vem eu volto a Paris. Ano que vem descerei no Charles de Gaulle numa manhã linda de primavera e vou encontrar a cidade sorrindo, o sol brilhando, os parisienses reclamando de tudo e sempre daquele jeito que fazem com a boca soltando expressão assoprada ‘Puffffff’ para tudo que não concordam (eu acho que é pelo fato de terem acordado, mas não são todos não, uma parte pequena mas divertida de se observar) ou então a frase célebre quando não querem prestar muita atenção: “c’est pas mon problème”.
Me despeço hoje de Paris e de vocês meus amigos e amigas do WhatsApp para quem enviei esse diário durante minha estadia por aqui. Sempre serei otimista mesmo com os sinais de crises econômicas mundiais. Me lembro que estávamos aqui em 2008 quando houve a quebradeira do subprime norte americano. Uma catástrofe anunciada com uma década de antecedência pela falta de controle do capitalismo canibal. O mundo não acabou. Também não vai acabar desta vez mesmo com um dos mais importantes bancos do mundo, Credit Suisse, dando sinais de bancarrota. O risco real é nós, classe média, ficarmos mais pobres, isso é real mesmo se prepare.
Ano que vem eu conto.
o.