Os Diários do Ozores

Luxor entre Sombras e Deuses

Uma noite de calor e humanidade nas ruas de Tebas moderna, seguida pela grandiosidade atemporal dos templos e vales sagrados do Antigo Egito

Diários do Egito 

26 de maio

Luxor, antiga Tebas

Esse meu diário vou dividir em duas partes. Uma na noite do dia 25 e outra o relato do dia 26. Explico: o diário que envio aos meus leitores e leitoras é enviado no final do dia, hora Egito, sendo que fuso horário Brasil e Egito é de seis horas. Portanto vou começar o diário de hoje narrando o passeio a charrete pelas ruas centrais de Luxor na noite de ontem, 25.

Passeio noturno

O guia que está comigo nessa viagem insistiu muito que fizéssemos um passeio com charrete, a noite, pelas ruas de Luxor. No início fui contra devido ao calor e minha preferência era um automóvel com ar condicionado. Mas Sabry insistiu dizendo que os caminhos por onde iríamos os carros não poderiam passar. Como não sou daqui prontamente concordei. Sabry estava certo.

Primeiro. O caos do trânsito em todo o Egito é incompreensível para nós brasileiros que seguimos as normas do transito e, mesmo assim, somos multados porque entramos rua contra mão, atravessamos sinal vermelho, estacionamos em vaga proibida etc etc etc. Bem, por aqui não existe regra nenhuma. Impera a lei do mais forte, isto é, quem toca sua condução primeiro seja charrete, burrico, automóvel, caminhão, moto, bicicleta. Único que não tem vez é o pedestre. Esse está condenado a esperar sua hora para atravessar uma simples rua de comércio.

A charrete nos pegou no porto de Luxor – onde está ancorado o catamarã – exatamente as 21h00 e voltamos as 22h30. E agradeço a Sabry sua insistência, pois, conheci uma realidade egípcia e luxoriana, não sei se é assim o gentílico, mas vá lá, mesmo que a temperatura permanecesse àquela hora da noite em 34 graus.

Saímos da rambla principal, que foi como apelidei a avenida à beira do Nilo, repleta de gente caminhando e nos cafés, e depois nos perdemos pelas ruas da cidade velha, com suas ruas estreitas e barulhentas. Todos os comércios abertos até as 24h00 me explicou o guia que me disse que a vida em Luxor começa quando o sol se despende de nós no poente.

A noite a população sai às ruas para fazer compras, conversar, ver, ser visto, se divertir, chorar com histórias tristes, deixa-se levar pelo encanto das vitrines iluminadas.

Parecia que estava na 25 de Março numa sexta feira pré Natal, na nossa Sampa tão amada quanto desalmada.

Não entendo árabe, mas entendo das almas humanas. Nunca vi tanta cordialidade na vida como ontem na hora e meia que passeei de charrete. O charreteiro e o guia sentados no banco da frente, com a bunda do cavalo na cara deles, falavam sem parar com os caminhantes e não entendia nada mas todos respondiam e muitos sorriam, gritavam de volta e logo riam, parecia que se xingavam mas depois tudo ficava bem.

Mulheres vestidas de negro com burcas são poucos me explicou Sabry e usar burca ou não é escolha da mulher. As mulheres segundo o Corão não podem mostrar partes do corpo para não excitar os homens. Eu que sou um ateu de nascença, graças a deus, nunca vou entender essa religião monoteísta a qual fomos criados no ocidente o oriente próximo. Judeus, cristãos e mulçumanos tem o mesmo Deus monoteístas e todos eles se odiaram profundamente ao longo da história.

Eu que nunca me declarei religioso, desde os 15 anos, imito o poeta e digo que tenho apertado no peito hipotético mais humanidades que Cristo, pois, olho nos olhos do meu semelhante e o respeito como humano na condição que ele estiver e não como meu inimigo.

A noite todas as lojas estão abertas e as pessoas fazendo suas compras. No passeio passamos por uns sem números de lojas de comida e temperos e muitas lojas de roupas e sapatos e no meio dessas dezenas de lojas de roupas de noiva. Um misto da 25 de março, rua das Noivas e Mercadão da Cantareira só que tudo na rua.

Pessoas de todos os tipos e não vi nem presenciei nenhuma hesitação e, pasmem, não ouvi nenhum grito de ‘pega ladrão’.

Se algum dia alguém dos meus amigos e amigas decidirem vir fazer esse passeio de barco pelo Nilo e te convidarem para passeio à charrete não hesite e faça. Vai descobrir um mundo diferente sem aquele pavor que está dentro de nós, brasileiros de qualquer cidade do país nos dias de hoje, o pavor de ser roubados ou assaltados.

Não digo porque não sei se existe muitos ladrões aqui no Egito ou não, mas a sensação de passear de charrete aberta, sem vidro e ar condicionado para nos isolar das pessoas, mas pela tranquilidade que foi minha noite ontem posso dizer que não existe esse medo na população. Pode relaxar.

Antes aqui, no Egito antigo, haviam milhares de deuses e deusas e uma infinidade de outras divindades que tem em animais seus deuses. A esses deuses e deusas durante mais de 3.500 anos se ofereceram presentes, renderam homenagens deixaram o mundo mais colorido.

O monoteísmo acabou com a liberdade das escolhas e, a meu ver, e deixou o mundo mais triste. O monoteísmo não diminuiu em nada as guerras e nos dias de hoje, pelo menos no Brasil, com o avanço das neo pentecostais o importante menos é ficar rico. Só assim Jesus vai te reconhecer entre os escolhidos. Transformaram a bondade num negócio altamente rentável. Nos EUA o loirão que é presidente no momento usa Deus e se der o Diabo também para vender suas criptomoedas.

Visitas aos templos

Para evitar o sol na manhã de 25 saímos do barco, as 07h00, num automóvel com ar condicionado, pois, o sol a pino já estava a 30 graus em direção ao Vale dos Reis, distante uns 25 km do centro da antiga Tebas. É nesse vale que foi descoberta a famoso tumba de Tutancâmon, em 1922, pelo arqueólogo inglês Carter.

Dentre os faraós que estão enterrados aqui Tutancâmon em termos de governo é menos importante ele só é importante porque sua tumba estava intacta e os tesouros todos na câmara mortuária.

Estão encapsulados aqui dezenas de faraós algumas tumbas descobertas como as três que você pode visitar e algumas outras centenas que os arqueólogos continuarão cavando pelos próximos séculos.

O ingresso lhe dá direito a visitar três tumbas todas de filhos e netos dos Ramsés. Pela estrada quando o carro foi se aproximando do Vale dos Reis a pedra calcária do deserto vai tomando formas de uma cor ocre clara que, com o reflexo da luz solar, você tem uma sensação muito ruim nos olhos dando a impressão que não consegue firmar o olhar em um ponto.

Imagens e os ângulos que essas montanhas desérticas tomam formas parece que nos faz entrar dentro de um tempo onde o tempo passa a não existir. Uma sensação de suspensão do tempo.

Afinal esses faraós que se fizeram enterrar aqui para conseguir, não só a vida eterna, mas se transformarem em deuses para esse efeito ser concluído tinham que trazer sua fortuna pessoal como jóias, roupas, comida, escravos, concubinas e animais domésticos.

Todo o resto posso até concordar, mas trazer para a tumba para morrer junto seus gatos de estimação aí sim já é demais. Esses faraós passaram do limite do bom senso. Gatinho não!

O pior das religiões é que obrigam aqueles que não tem nada ver com a história do beltrano entrar de gaiato no navio. Fotografei e posto junto com esse diário imagens das três tumbas. Imagens são belíssimas, pois, ainda guardam as cores originais de quase quatro mil anos atrás.

 

Há tumbas que não estão abertas ao público que tem mais de 164 salas internas. Segundo especialistas diferentemente do que se possa pensar os faraós não se faziam sepultar em pirâmides, mas sim nas montanhas cavadas.

Só aqui nesse Vale estão sepultados ou descansando já que estão aguardando o momento de virarem divindade 64 faraós. E na montanha que antecede a chegada ao Vale dos Reis estão enterradas as múmias dos nobres da corte e esse numero ultrapassa os milhares.

Portanto o que não falta por aqui é trabalho para arqueólogo. Portanto, ‘arqueólogo do mundo uni-vos’.

Fico cá – no ar condicionado do navio aguardando a hora de ir para o aeroporto – conversando com meus botões: “se a temperatura fora está a 45 graus quanto não estará dentro de uma tumba?”. Somente Anúbis, o deus dos mortos, poderá nos contar esse segredo.

Templo de Hatshepsut

Saindo do Vale dos Reis a ultima visita da manhã e de todo o dia era o “Templo de Hatshepsut”. A distancia do Vale até o Templo de carro não dá mais que dez minutos.

No momento que o motorista estacionou o veiculo para descermos num primeiro momento não consegui acreditar na monumentalidade da construção do Templo encravado dentro da montanha.

O mais curioso é que esse Templo mortuário foi construído em homenagem a Amon-Rá, o deus do Sol e é considerado “um dos incomparáveis monumentos do Antigo Egito”.

 

E o máximo dessa história é que o Templo foi construído por uma mulher a faraó Hatshepsut e o arquiteto Senenmut.

Hatshepsut era a filha de Tutemés I, a grande esposa real de Tutemés II e regente do seu filho, o futuro Tutemés III que foi proclamado Faraó, e construiu vários templos, dos quais o principal é Deir Elbari, perto de Luxor.

O templo foi dedicado aos deuses Amom, Anúbis e Hator.

O Templo como disse está incrustrado na parte alta da montanha de onde se pode ter uma vista de todo o vale e assim poder controlar, a distância, o trabalho dos camponeses e acompanhar suas plantações à beira do Nilo.

Para você chegar na parte interna do Templo é preciso subir uma escada imensa – não quis contar degraus para não desistir antes da subida – dividida em três lances sendo que em cada lance você tem de parar para descansar. Caso contrário, parece que seu pulmão queima ao inspirar o ar para dentro do peito.

No ultimo piso, antes de entrar no Templo, você fica frente a frente a uma série de estatuas de faraós na posição de mortos, isto é, com os braços cruzados e os pulsos cruzados sobre o peito.

Na primeira parte você encontra um átrio e à direita um outro átrio onde ficava os aposentos da faraó Hatshepsut.

Bem, ao lado desse átrio ficava os aposentos do faraó que estão fechados e, para impedir a entrada dos turistas, existe uma porta telada.

Claro que em terra de malandro sempre tem malandro maior. Ai os guias locais – aqueles tolerados pela gerência – fizeram um buraquinho na tela e cobram um euro ou dólar para colocar a lente da sua câmara no buraquinho e fotografar o que se supõem serem a parte privativa da faraó Hatshepsut.

Na saída parei novamente debaixo da porta de entrada para o santuário e fiquei observando a imagem de todo o vale que terminava na antiga Tebas, onde dorme o Nilo o verdadeiro soberano desse deserto.

No caminho de volta para o barco onde aguardarei o motorista vir me pegar para levar ao aeroporto fiquei pensando como o Céu deve ser um lugar difícil de se viver com tanta gente querendo ocupar o lugar de Deus.

Claro que se o Céu que imaginamos tenha lugar para apenas um Deus. Portanto eu prefiro a ideia de um mundo politeísta onde todos podem vir a ser Deuses e aí todo mundo terá espaço e não precisará ficar brigando por uma vaga só.

Vou postar esse material quando chegar no Cairo à noite.

Amanhã tem mais.

 

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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