A Revogação da Lei da gravidade e a poesia de Bernardo Soares

Diário de Pindorama

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Ozores
Diário de Pindorama, dia 22 de março, mais uma terça feira do ano de 2022 ano que fomos surpreendidos com o confronto entre Rússia e Ucrânia, do outro lado do mundo. E para nos redimir de todos os pecados e das sandices humanas continuo aqui na Terra das Amazonas, com a cúpula daquele belíssimo teatro de óperas ao fundo, com o “Só a poesia nos Salvará”. Assim espero, Amém!
Eu confesso a vocês que ser brasileiro e viver no Brasil requer uma qualidades excepcionais. Principalmente o bom humor , já que as adversidades por aqui sempre são em números inflacionados.
Sou do tempo,- primeiro no governo Sarney e depois no governo Collor – que a inflação atingia a marca de 50% ao mês, sim senhor. Teve época nesse país , em que que para você fazer uma viagem a Europa tinha que vender uma casa; comprar carro então, nem pensar. E televisão , vocês não tem idéia o que custava. e o pior mesmo é ser consumidor na Terra do Saci Pererê; pior mesmo é que você nunca sabe qual a lei que está valendo no momento. etc, etc, etecetera.
O que, no entanto, adoro nesse país tropical , é a irreverência e o humor cáustico que os brasileiros e brasileiras tem. Algumas vezes esse humor não é inventado, mas fruto de decisões tomadas pelos nossos ilustres representantes nas três câmaras legislativas. Câmaras municipais, estaduais e federal.
Pois muito que bem. Vocês sabiam que em 1966 a Câmara de Rio Claro estipulou uma lei que multava os cidadãos que possuíssem formigueiros de estimação em casa?
Já o prefeito da cidade mato-grossense de Barra do Garça enviou projeto de lei e aprovado pela Câmara criando o primeiro “Discoporto” do planeta Terra destinado ao pouso dos nossos irmãos que vem de Marte. O discoporto – aeroporto para disco voares -está em plena atividade e tem ala especial aguardando os nossos companheiros intergalácticos.

Dizem, as más línguas, que um prefeito do interior paulista, desejava construir uma caixa d’água para resolver a falta d’água na sua cidade e teve projeto vetado por um engenheiro, pelo fato de não haver queda d’água no local da construção da caixa. O motivo alegado pelo engenheiro, foi a lei da Gravidade. Prontamente o prefeito enviou projeto à Câmara exigindo a revogação da referida lei. Consta que um vereador pediu vistas do processo e até hoje aguarda votação final.
Hoje, fui surpreendido com mais uma pérola nas mídias sociais, informando que a Câmara Municipal de Embu das Artes – sim aquela cidade onde o prefeito e sua irmã têm vários processos – teria aprovado uma lei proibindo que Putin visite a cidade, o que teria causado abalo no Kremlin e nas relações internacionais entre Brasil e Rússia. Infelizmente a noticia foi desmentida no inicio dessa tarde.
Como já comentei com vocês, sempre que me encontro perdido com as palavras e a interpretação desse mundo louco que vivemos , procuro nos textos de Bernardo Soares um sentido. Costumo me utilizar do ‘Livro do Desassossego’ – desse heterônimo de Fernando Pessoa – como os sábios chineses usavam e usam o I Chig para tomar decisão importante. Outras culturas utilizam o Tarô. Outras os livros dos filósofos. Outras os escritos sagrados.
Enfim, existem várias alternativas para interpretações da vida em momentos de encruzilhada. Eu prefiro sempre Bernardo Soares, pois, ele é tão louco como todos os poetas e os artistas e por isso tão normal. Daí que hoje escolhi para ler para vocês um texto dele que é ” Do terraço deste café olho tremulamente para a vida”. Talvez a escolha desse texto esteja ligada ao fato de hoje pela manhã ter caminhado pelo centro de Manaus, e na praça da Polícia ter parado em um dos mais antigos cafés dessa cidade: O Café do Pina. Daí a escolha desse texto, do heterônimo de Pessoa.
” Do terraço deste café olho tremulamente para a vida”
Por Bernardo Soares

Do terraço deste café olho tremulamente para a vida. Pouco vejo dela nesta sua concentração neste largo nítido e meu. Um marasmo como um começo de bebedeira, elucida-me a alma de coisas. Decorre fora de mim nos passos dos que passam e na fúria regulada de movimentos a vida evidente e unânime.
Nesta hora os sentidos estagnaram-me e tudo me parece outra coisa — as minhas sensações um erro confuso e lúcido, abro asas mas não me movo, como um condor suposto.
Homem de ideais que sou, quem sabe se a minha maior aspiração não é realmente não passar de ocupar este lugar a esta mesa deste café?
Tudo é vão, como mexer em cinzas, vago como o momento em que ainda não é antemanhã.
E a luz brota tão serenamente e perfeitamente nas coisas, doura-as tão de realidade sorridente e triste! Todo o mistério do mundo desce até ante meus olhos se esculpir em banalidade e rua.
Ah, como as coisas quotidianas roçam mistérios por nós! Como à superfície, que a luz toca, desta vida complexa de humana, a Hora, sorriso incerto, sobe aos lábios do Mistério! Que moderno que tudo isto soa! E, no fundo tão antigo, tão oculto, tão tendo outro sentido que aquele que luze em tudo isto!
Texto extraído do ‘Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa’. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. – 102.
