Que horas ela volta pra ter seu lugar ao mar?
Crônica de Rosinea Garçon -Imagens de Rosi Garçon
Era uma típica manhã de sol, em uma das mais belas praias do litoral sebastianense, que proporcionava a todos um exuberante beleza de um mar verde esmeralda, com águas transparentes que, deliciosamente, convidavam adolescentes e adultos para um gostoso “tchibum” ao jogarem seus corpos de encontro às ondas, crianças para a diversão na fluidez do riozinho, e a outros, o mar convidava para um remar tranquilo em direção à linha do horizonte. Estas cenas regalavam meus olhos naquela que estava sendo uma relaxante manhã de férias.
Até que, da areia, protegida pela sombra de uma frondosa árvore, passei a observar outros personagens que passariam a compor o paradisíaco cenário…
Um jovem casal caminha em direção ao mar. A mulher leva em seus braços um lindo bebê, provavelmente seu filho.
Um pouco mais atrás, seguindo seus passos, vem um menino recolhendo pedrinhas e conchinhas. O casal segue em frente, despreocupado, pois o menino não está só, junto a ele caminha uma jovem que pega as pedras e conchas de sua mão e as guarda em um colorido balde. Neste momento, minha inteira atenção se volta para a jovem que, por não trajar roupas de banho, singularmente destoa de toda a paisagem praiana, pois veste bermuda até o joelho e uma blusa, com mangas que cobrem os braços até a altura do cotovelo; no ombro, a jovem carrega uma bolsa.
“como um fiel escudeiro medieval, ela se levanta e corre para a água…”
De repente, o menino corre em direção ao casal que já está na água. A jovem, então, senta-se na areia e fica “apreciando” aqueles a quem ela acompanha. Senta-se na areia escaldante, num dia ensolarado… Instantes depois, seu corpo desliza até alcançar o fio d` água do riozinho, permanecendo ali por alguns segundos. Até que, como um fiel escudeiro medieval, ela se levanta e corre para a água, indo ao encontro do menino que a chama. Sorrio comigo mesma e penso: “Ele deve tê-la convidado para brincar e se refrescar naquela água translúcida.” No entanto, o que se vê é o garoto entregar um boné, que ela recolhe e guarda na bolsa. Em seguida, com todo o cuidado para molhar apenas as pernas do joelho para baixo, a jovem retorna para a areia quente, ardente.
Ao observar esta cena, lembro-me de Val, personagem do filme “Que horas ela volta?” película que, de forma muito tocante, nos ensina que a filha da empregada pode e deve ingressar numa universidade. Recordo-me da cena em que Val, num ato de pura libertação, rompe com o sistema patronal e se regala na piscina dos seus senhores, mesmo que molhando somente os pés.
“Quantas “Val” são subjugadas e só podem contemplar…?”
Trazida à cena anterior, pego-me endurecida, embrutecida, entristecida com a realidade concretizada à beira mar. Quantas “Val” são, diariamente, impedidas de sentir o frescor da água do mar? Quantas “Val” são subjugadas e só podem contemplar o mar a distância? A quantas “Val” são imputados castigos físicos na forma de proibição de mergulhar seus corpos na mesma água salgada que seus patrões? Quantas “Val” são impedidas de trajar roupas frescas em dia de calor ? Quantas “Val” ainda sentem simbólicas chibatadas, que ferem a alma, quando são tratadas com tanta desigualdade? Quantas “Val” vivem abaixo da linha patronal que separa, segrega, aniquila…?
Volto-me para os meus pertences. Recolho a minha cadeira, os meus chinelos e a certeza de que cabe a cada um de nós a luta diária para que todas as “Val” tenham o seu lugar ao sol… e ao mar.
Volto para casa, naquela que seria uma deliciosa manhã de férias.
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