1- Apocalipse
Os meteoros ameaçam nossos jardins.
É hora de decolarmos
Para a infinitude do silêncio dilatado
Com nossas asas de sonho
Antes que a terra exploda
E se escancare como a fauce
De uma desmedida flor carnívora
Faminta de nossos corpos.
Não mais teremos tempo
De colher o fruto do nosso canto
Os meteoros ameaçam nossos campos.
Os mares cobrirão nossas faces;
Os vulcões ressecarão nossos ossos;
As mãos, os ventres, os sexos
Murcharão sob o fogo das estrelas
Que cairão sobre vales e colinas.
Os meteoros ameaçam nossos rios.
É tempo de partirmos para o espanto desmedido.
Do que fomos, fizemos ou cantamos,
Ficará, apenas, o invisível traço
Do vôo da ave indivisível
Que se consumiu no espaço.
SONETOS AUTOBIOGRÁFICOS
Cântico VIII
O cais está deserto. A noite é vasta.
O vento sopra fino. As águas negras
Paradas se repousam das fadigas
De naves que partiram soluçantes.
As luzes tremeluzem cochilantes
Dos negros postes magros penduradas.
Do guarda, os passos lerdos, sonolentos,
Acordam surdos ecos nas distâncias.
E a sombra do seu corpo se projeta
No longo tombadilho do silêncio
Escura e densa como ponte armada
Do cais para o silêncio da água negra,
Do fim para o começo de outro dia
Do pranto de quem fica ao de quem parte.