O canto das rãs !

Crônica Caiçara
Por Dorcas Nascimento

No período crucial da pandemia em 2020, meus filhos deixaram bem claro pra mim, me manter em casa. Usar máscara e álcool gel. O Covid é uma doença altamente contagiosa e os idosos eram os que mais estavam sendo contaminados pela doença.
Muitos profissionais da saúde também estavam sendo contaminados. Perdemos muito deles, quando estavam a frente do trabalho salvando vidas. E por fim muitos deles perderam a vida também. O que mais me incomodava era a forma que tudo isto estava sendo conduzindo, tendo em vista que nem remédio sabiam ao certo qual seria para combater as pessoas infectadas. A briga se tornou política causando um sentimento de impotência e falta de respeito com as famílias daqueles que lutavam pela vida de seus entes queridos internados, lutando para viver, porém muitos morreram.
Nós, os idosos, passamos a viver isolados, sem contato com pessoas. Prisão domiciliar sem algemas nos tornozelos. Mas não fazia tanta diferença se havia tornozeleira ou não. Meus filhos me monitoravam. Afinal, moro sozinha e ficavam preocupados. Queriam ter a certeza que eu estava agora na posição de obedecê-los, pontuando sempre: -“mamãe se cuide, use máscara e pede para o Weber comprar as coisas de que você precisa”. O Weber é o único filho que mora aqui em Caraguatatuba por enquanto, até acabar a pandemia.
Eram 23 horas, eu estava ansiosa, há várias noites sem dormir. A incerteza vinha no meu pensamento, e me perguntava: há três meses estou presa aqui. Preciso de médico e não estão atendendo , só atendem casos de covid.
Em torno da minha casa não tem vizinhos, e em frente tem uma reserva florestal tombada pelo município, a dois quarteirões da praia. A solidão é penosa. Antes eu não a sentia tanto porque ia para praia, fazia um vídeo ou andava por aqui ou ali, vendo os moradores novos de outras ruas próxima a minha. Mais aqui continuava deserta. Pensei comigo, sabe de uma coisa: vou sair . Neste horário não tem ninguém, vou caminhar no calçadão . Cansei de ficar presa aqui ! Lá fui eu. Sentia-me uma menina rebelde desafiando os pais, no meu caso os meus filhos..
Sentei na mureta da praia e ouvi as rãs cantando. A cada passo ficava mais forte o som que vinha da lagoa na beira da praia. Não tinha uma viva alma, ou seja, tinha eu, uma alma perdida! A felicidade tomou conta de mim. Com aquele som, as rãs ,literalmente, cantavam para mim.

Eu precisava disso… sentir o ar fresco, a brisa do mar! Sem contato social, mas estava aqui com as rãs. Gravei elas cantando pra mim. Quanto alento, meu Deus!
De repente ouvi uma vozinha que vinha da lagoa. Pensei: – “aí estou maluca. Meu Deus”. Era uma rã idosa dizendo para mim: – que bom que pudemos ajudá-la, a alegrar sua vida, mesmo por alguns minutos…
“Ah, como a vida é boa! Não estou isolada. Tem as rãs que cantam pra mim. Nosso planeta é lindo!
Convido todos a nos dar as mãos e a cuidarmos um do outro como as rãs cuidaram de mim, agora que o perigo do contágio pela Covid voltou a nos assombrar, quando achamos que o vírus já estava nos dando uma trégua…

Dorcas é fantástica,descreve muito bem essa coisa triste que o isolamento social a que somos obrigadas (os) a cumprir.
Encantador também quando fala das rãs,e sua conversa com elas.Descreve bem sua alma de menina Adorei amiga.