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Memórias da Catástrofe Caraguá:  Nilo salvou-se poetizando

Por Pitágoras Bom Pastor

Pitagoras Bom Pastor é editor da Cancioneiro

Hoje é 18 /03/ 2022, há 55 anos uma catástrofe arrasou  a então pequena cidade de Caraguatatuba. Dos 15 mil habitantes, cerca de 500 morreram ou desapareceram. Milhares ficaram desabrigados. Foi muita tristeza e desespero. A tragédia da cidade e as dores das pessoas, lembradas anualmente,  já são conhecidas. O nosso desafio será recontar essa história, mostrando um outro lado: as lindas histórias de superação pessoal.  Hoje contaremos a história de Nilo Peres, o caiçara que transformou a farinha em farofa, e a dor em Poesia.

Nilo Peres, um caiçara da Prainha 

 

Nilo Peres  de Oliveira era um caiçara da prainha, que na infância, recrutado por Getúlio Vargas foi estudar numa escola da Marinha no Rio de Janeiro. Lá ele concluiu seu curso primário. Seu pai, Cirino, era pescador e depois foi trabalhar na Sucen. Logo mudou-se para o Caputera, na Rua Zacarias Arouca, 372. Lá perdeu tudo na Catástrofe de 67

Nilo Peres o poeta caiçara

Nilo tornara-se um jovem bonito e num fandango na casa do Tião Izidoro , no Camaroeiro, conheceu a linda Caiçara Ilda, filha da Bertulina e do Lino, irmã da Conceição Tainha ( musa do carnaval, na década de 60 ) e do Dito. Casaram-se. Moraram no Ipiranga e depois mudaram -se pra Zacarias Arouca, área próxima ao centro (Nilo era frentista do Posto de Gasolina do Reis).

Ilda Peres e sua filha Hilda

E de repente  chuvas, desabamento e tudo vira lama

No dia 18 de março chovia demasiado. Nilo e Ilda tinham 9 filhos. 2 eram de colo ainda. De repente a rua e a casa começaram a  alagar . Os mais velhos, Ailton e Cláudio saem nadando para buscar socorro. Políciais rodoviários ajudam a tirar o restante da familia. A casa , logo a seguir foi levada pela maré de agua e lama.

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E Agora José?

Leitor assíduo e poeta bissexto, Nilo foi levado para a casa de sua cunhada, Maria e do seu esposo Nilo Fogaça. Lembrou-se talvez da poesia de Drumond  ” E agora José? José Para onde?”

Perdera todos os bens. Conferiu que a mulher e os 9  filhos, suas únicas fontes de preocupação real a vida toda , estavam bem. Acendeu um cigarro. Agradeceu a Deus.  O que resta a fazer?  Dançar um tango Argentino, como sugeria o Poema Pneumatorex de Manoel Bandeira? Nem luz havia na cidade. Fez melhor. Pediu um lápis e um papel e escreveu uma poesia lidíssima: “Triste Tragédia”, cuja cópia manuscrita por ele segue na foto abaixo, ladeada pelo texto

Poesia de Nilo Peres de Oliveira feita logo após ter perdido tudo na catástrofe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Triste Tragedia

Adeus Caraguatatuba

Adeus oh! Noiva do Mar

Tiveste o teu  véu manchado

Teu Coração abalado

Pelo forte temporar

Seus filhos contigo sofreram

Toda Amargura e pavor

Mostraram ser gente forte

Lutando até a morte

Defendendo te com amor

Oh! que tragédia medonha

Nem gosto de me lembrar

Tiveste casas arrasadas

Pela força da enchurrada

Que foi da Serra até o mar

Tudo foi lágrimas e dor

Tristeza e agonia

Teus lares foram enlutados

Teus filhos foram sepultados

Em tuas terras sombrias

‘Relembrando a tragédia que abalou Caraguatatuba no dia 18 de março de 1.967. Poesia Feita no dia da Tragédia.  Assina: Nilo Peres de Oliveira  “

A Catástrofe de Caraguatatuba não  venceu a fibra dos caiçara 

A Catástrofe destruiu tudo menos a força de Caiçaras  como Nilo Peres.O poeta e todos os demais sobreviventes, cada um com seu trabalho , ajudou a reconstruir a cidade e torná-la essa linda e grande cidade que é hoje.

A Cidade cresceu

Há quem diga que depois de 18 de março de 1967 e devido  a esse desastre natural, Caraguatatuba  tornou se conhecida no mundo inteiro. Isso fez desenvolver a indústria turística e com ela veio progresso.

Prefeito   Jair Nunes  e o  dinheiro   ( do escândalo) da  Serra do  mar

Na década de 1980, o então prefeito caiçara Jair Nunes de Souza,  um sobrevivente da Catástrofe , ajuizou  uma ação  requerendo a indenização do Estado de São Paulo  pela desapropriação do Parque da Serra do Mar . O dinheiro saiu em 1996. Quase um bilhão de reais em valores atuais. O direito de recebê-lo era do prefeito Sidney Trombini, também sobrevivente da catástrofe, mas o governador Covas só foi  entregá-lo  na mão do  Antônio Carlos porque era seu “parça”, inclusive de PSDB. Trombini  ficou a ver navios. E o recém chegado ACS  ficou com  a fama de mágico, em cima da obra do caiçara Jair Nunes de Souza.

Capa do Jornal da Trade 1967 – Foto do APMC

O Poema Pneumatórax  de Manuel Bandeira Inspirador

Manuel Bandeira fez de sua doença( a tuberculose) incurável na época um poema lindíssimo que pode ter inspirado Nilo Peres naquele momento. Afinal, quando nada há para se fazer faça arte,  invente. Faça da farinha a farofa . Isso é que sugerem Nilo e Bandeira. Leiam o Poema :

Pneumotorax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
.— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
 
 
*P.S. Nilo morreu em 2005 e Ilda há cerca de 2 anos.

A Cancioneiro Caiçara apoia as campanhas SPS Litoral norte 

 
O Coletivo caiçara de São Sebastião está ajudando desabrigados de todo litoral norte

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