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O Último choro do Anselmo 7 cordas

Texto Pitágoras Bom Pastor de Medeiros

Pitágoras Bom Pastor-Editor da Cancioneiro 

 

O caiçara Anselmo 7 cordas que foi o pioneiro do choro e do violão 7 cordas em Caraguatatuba. em 19 janeiro de 2021, convalescente da Covid fez duas coisas pouco comuns para seus costumes : pediu que lhe gravassem tocando e cantando uma música religiosa, em estilo de choro.

Anselmo 7 cordas essencialmente era um pescador de notas musicais

Anselmo, era ótimo músico raramente cantava, nunca o vi cantando em público. Com vídeo pronto, enviou pro seu compadre de choro, de pesca e de vida, Tião Purissa, com a recomendação que o entregasse ao hoje editor da Cancioneiro Caiçara, Pitágoras Bom Pastor para que este divulgasse essa sua obra rara. O vídeo ganhou as redes sociais.  Anselmo mandou sua mensagem em forma de música, que na verdade se transformou em sua despedida  .

33 dias (23/02/2021)  depois, ele morreu de covid mas deixou eternizada a sua arte. Deus curou Anselmo como ele pediu na música, dando lhe o descanso físico e a eternidade na história da música caiçara. Mas nós aqui ficamos com a gostosa dor da saudades suas.  Assistam o vídeo no link acima

“Quero acordar com a tua paz a me aquecer” – diz a letra cantada por ele.  

Um violonista que marcou a história  

Anselmo 7 cordas, caiçara nascido no local onde se situa a Maria da Praia Brava , em junho de 1947  desde a idade de 12 acompanhava seu pai Chico Vitorino  e seu tio Antônio nas rodas de samba e choro que o eles faziam no bairro  do Ipiranga e depois inclusive como acompanhantes do Programa de Calouros da Rádio Oceânica de Caraguatatuba. Na década de 60. Chico e Anto Euzébio lideravam o grupo pioneiro do choro em Caraguatatuba e Anselmo era ao mesmo tempo mascote e violonista, dando conta do recado. 

Os Irmãos Chico e Antônio Vitorino, foto arquivo de Angelica Santos

O grupo tinha a seguinte formação Chico Vitorino, na  viola,  pandeiro  Joaquim Pinguinha., cavaquinho ou machete , era o Arlindo do Prado , o Canhoto, – mais tarde bumbeiro da banda Municipal-;  .   Dito Cambeba era o cantor;  bateristas foram,  Toninho Saruba e João Carlos Zenko  Antônio Eusébio, na Rabeca e o Mario Baixinho no surdo.

No  Caraguá Samba Show nasce o 7 cordas

Em meados de 70, os jovens do Ipiranga, liderados por Ansemo e Tião Messias- o Purissa que aprendera guitarra e cavaquinho, resolveram retornar ao choro e formaram o Caraguá Samba Show ue fez muito sucesso na década de 80 em Caraguatatuba, tocando no coreto aos domingos 

O Caraguá  Samba Show na década de 80

 A primeira formação era : Purissa no cavaco base; João Santos cavaco solo Anselmo 7 cordas no violão e depois Marcilio do Bandolim. Fernando Messias do pandeiro, Tião Bota e Gabriel Lemos na Percussão . etc.. ( todos músicos caiçaras purões do Ipiranga- camaroeiro e pescadores, com exceção do Marcilio que nasceu na fazenda dos Ingleses)

Foi nessa época que Anselmo resolveu aprender a tocar o violão 7 cordas. Sem professor, sem youtube , sem métodos , só com o ouvido e os olhos de quem saber ler o mar e o tempo, talento inato dos pescadores, ele tornou-se um ótimo músico e deu conta do recado. Afinal, o violão 7 no Brasil era algo relativamente novo .  (Para saber mais sobre a música no bairro  caiçara do Ipiranga leia https://editora.cancioneirocaicara.com.br/caragua-samba-show-o-grupo-de-choro-do-ipiranga-esta-voltando/  )

Anselmo , Fernando Purissa e Santo com Cavaco. Arquivo Fernando Messias

Trocou choro pela religião  

Anselmo depois trocou o choro pela religião, quando passou a se dedicar à Igreja católica como Ministro da Eucaristia. Mais tarde ele se converteu ao pentencontalismo e desde de então deixou de tocar publicamente o seu amado choro. No fim da vida no entanto, antes da Covid ele se reunia com seus antigos companheiros para uma tocata intiimista. Um mês antes de morrer no entanto, ele viu que era possível unir sua fé com sua arte e gravou este vídeo de despedida, tocando uma música religiosa sim, mas com o devido acompanhamento do choro. Afinal, não é o choro uma linda forma de oração? 

Uma música ecumênica e que fala de saudades

A música escolhida por Anselmo é de autoria do Padre Zezinho ,  mas é aceita no meio evangélico. Portanto tem a utilidade de ser uma mensagem de unidade no amor a Deus, coisa muito útil nesses tempos de intolerância. Tocada com acompanhamento de choro, filho do samba afro, acrescenta ainda mais nessa ecumenismo. A letra fala de dor e de saudades. Quantas saudades não teria Anselmo caiçara, dos seus tempos de pescador e da antiga terra caiçara que era Caraguatatuba?  Seu pai era fazedô de canoas, seu irmão Baguinha também é. Anselmo também era . Antes de morrer, fazia, com sua filha Angélica canoas em miniatura. Certamente estava preparando a sua condução para a grande viagem.  

Construindo canoa um mês antes de morrer

Cura senhor onde doi

Musica do Padre Zezinho

Vamos, Jesus, passear na minha vida
Quero voltar aos lugares em que fiquei só
Quero voltar lá contigo
Vendo que estavas comigo
Quero sentir teu amor a me embalar

Cura, senhor, onde dói
Cura, senhor, bem aqui
Cura, senhor onde eu não posso ir

Quando a lembrança me faz adormecer
Sabes que a espada de dor entra em meu ser
Tu me carregas nos braços
Leva-me com teu abraço
Sinto a minha alma chorar junto de ti

Tantas lembranças eu quero esquecer
Deixam um vazio em minha alma
Em meu viver
Toma, Senhor meu espaço
Te entrego todo cansaço
Quero acordar com a tua paz a me aquecer

Anselmo no C. A. Ipiranga

 

Hidrel
A Cancioneiro Caiçara tem o apoio cultural da Hidrel. Uma empresa genuinamente caiçara.
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Pitagoras Bom Pastor

Pitágoras Bom Pastor de Medeiros, é formado em direito e pós graduado em jornalismo digital

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