O Matadouro de Ubatuba e o Boi de Conchas

Memorias Caiçaras
Texto e foto de Ana Maria Fernandes
Entre as coisas boas e bonitas que vivi na minha infância na rua Condessa de Vimieiro, hoje centro d Ubatuba, como as brincadeiras de roda, catar amoras nos pés e outras , mistura-se uma outra lembrança, no entanto, de uma coisa que me deixava muito triste e ás vezes até doente. Ubatuba não tinha carne vermelha assim fácil para se comprar . Entã0, havia bem no final dessa minha rua, o Matadouro Municipal. Acho que duas vezes na semana eram mortos nesse matadouro os bois que o tropeiro Cipriano comprava nas fazendas de Serra acima como na vila de Catuçaba e outras vilas.
Esses bois desciam a serra comboiados pelos tropeiros até chegarem ao matadouro. Nessas tardes , costumava passar antes da boiada, um tropeiro avisando as donas de casa que fechassem bem as portas e as janelas e trancassem as crianças, porque estava vindo um lote de bois e para segurança de todos, tudo deveria permanecer fechado. Eu, curiosa, mesmo tendo vindo de uma fazenda em Igaratá, onde nasci, nunca havia visto tamanha tristeza. Lá eu era acostumada com a mansidão dos bois de carro, e com as vacas leiteiras, mas nunca tinha visto os bois que iam para a morte.
Mais de uma vez olhei pela fresta da janela e vi os bois. Vinham com passos lentos, cansados, se amontoando na rua estreita até chegar ao portão do matadouros . Vez ou outra , traziam algum no laço com dois ou mais tropeiros segurando pois o pobre queria fugir do destino mas não tinha jeito, era levado assim mesmo para a morte.
Hoje tenho certeza que eles sabiam que seria a última vez que que viam o sol, as estrelas, o barulho do vento. Eu ouvia seus mugidos tristes naquela sua última noite, pois eram mortos na madrugada e a carne vendida no açougue do seu Joca. Eu chorava e ficava vários dias sem passar pelo açougue e sem comer carne. Naqueles dias tristes, a água límpida do rio Grande se tingia de sangue e atrás do curral, os urubus faziam a festa com a carcaça dos bois mortos. O cheiro era horrível e havia pessoas que buscavam os miúdos para alimentação. Até hoje eu tenho tenho uma certa a restrição a me alimentar de carne.
Aí me lembro da Lenda do Boi de Conchas de Ubatuba , criada por Julinho Mendes, uma história de resiliência, pois fala de um boi que foge do seu destino e desaparece, sendo procurado e nunca encontrado , reaparece depois de muitos anos para um violeiro numa madrugada na praia do Cruzeiro, todo coberto de Conchas, estrelas do mar siris, e faz uma reverência e volta para o mar onde mora até hoje. Fala- se que quem toca sua viola na madrugada naquele local ainda vê o boi encantado.
Agora eu não sou mais criança e o matadouro deixou de existir na gestão do Prefeito Ciccilio Matarazzo ( de quem minha família foi caseira) e até o rio mudou de curso. Mas eu nunca me esqueci dos bois e daquele matadouro que virou a lenda e que existiu de fato até quando me mudei daquela rua lá no final do ano de 1964 ( por coincidência, nessa época que Cicillio tornou-se prefeito, nossa família era caseira dele e morávamos no mesmo quintal)


Muito triste ver os bois indo para o matadouro, eles sentem que a vida deles esta terminando. Eles entram para a morte de cabeça baixa, quando você escreveu esta cronica Aninha lembrei- me deste episodio que há muitos anos presenciei. E não consegui olhar o final. Também chorava quando minha irmã matava os porcos que ela criava na chácara dela, eles soltavam um grito que doía na alma, assim que ela os colocavam para serem sacrificados. Tem coisas que marcam muito o nosso dia a dia. Eu não mato nenhum bicho, nem cobra peçonheta, pois elas salvam vidas, mantém o meio ambiente equilibrado. Eu particularmente sou incoerente com meu sentimento, pois não mato mais como o peixe que morreu sem ar pra respirar e eu não consigo ver o sofrimento deles por isso não pesco. Gosto de carne de porco, galinha caipira. Como carne de boi…Muitas vezes me acho hipócrita!
Dorcas,é realmente muito difícil,eu também como peixe mas morei muitos anos na beiradinha do mar e nunca quis pescar,o sofrimento do peixe buscando ar,é algo que doi. Cri galinhas mas nem as chocó,só aproveito os ovos,elas morrem de velhas.Carne vermelha é muito raro,a morre deles foi em mim.