Os Diários do Ozores

O Brasil Fica a Quatro Estações de Distância

Reflexões de um flâneur sobre cidades, transporte e memórias tropicais.

Um dia cinza, memórias de transporte e a vida universitária em Paris

Bon jour a tous!

Hoje Paris amanheceu com a cara de Paris, cinza. Sim, em Paris boa parte do ano o céu é cinza e eu gosto muito mesmo, por incrível que pareça.

Assim como gosto dos dias cinzas na Sampa Desalmada. E, pasmem, gosto de Barê em dias de chuva. Eu sou assim, acho que gosto de dias cinzas. Eles me dão a impressão de serem mais aconchegantes, aqueles dias que possibilitam ficarmos mais conosco mesmo. Bem, isso é o que eu acho e cada um tem o direito de gostar dos dias do jeito que quiser.

 

De bonde e metrô até a periferia universitária

Ontem, ao contrário, foi outro dia primaveril radiante por aqui. Céu azul e sol a pino esquentando nosso dia para reduzir o friozinho que fazia cedo, quando saí para ir à Universidade de Creteuil, na periferia sudeste de Paris.

Como já escrevi centenas de vezes – e não me canso de escrever por ser usuário de transporte coletivo aqui, em Sampa ou Campinas – se locomover na Île de France é simples, rápido e seguro. Saí do apê às 10h00 em direção a Creteuil e primeiro peguei o traim, que é melhor chamar de bonde para ficar mais entendível para nós brasileiros.

Duas estações depois, na estação da Porté Dorée, desci e entrei na boca do metrô linha 8, que me levou diretamente à porta da universidade. A estação Université do metrô é dentro do campus da universidade.

Quando o metrô era privilégio, não acesso

Vou contar para vocês duas historinhas tipicamente brasileiras. Quando o traçado do metrô de São Paulo começou, concluído estava previsto, na atual linha amarela, uma estação que sairia na porta da reitoria da USP. O projeto foi levado à discussão no Conselho Universitário da nossa quase centenária instituição de ensino, e sabem qual foi o resultado? Os nobres conselheiros do Consu votaram contra, sim, contra a implantação de estação de metrô ‘dentro’ do campus da nobre universidade.

Sim, o metrô já era tratado, na década de 1970, como aquele monstro que transportaria pobres aos montes, e isso deveria poluir a paisagem. Quem é usuário do metrô sabe que a estação USP para alguns km longe da universidade.

O trem que levava à Unicamp (e foi tirado de nós)

Segunda historinha. Quando cheguei na Unicamp, no final de 1971, havia um trenzinho que ligava Campinas a Barão Geraldo, uma maravilha. Naquela época o tapetão era pista única e diariamente havia acidente com vítimas. Os alunos pediam que essa linha pudesse ser usada através dos centros acadêmicos, pois facilitaria a vida daqueles que moravam na cidade.

Éramos todos lembrando que, em 1971, Barão Geraldo era praticamente um distrito rural e não havia nenhuma república estudantil lá nessa época. Aliás, não tinha nem supermercado. Qual o que, o negócio era manter o contrato com a Ensatur, de propriedade da poderosa família Abi Chedid. Era o pior tempo da ditadura militar, e os negócios deveriam ser mantidos sobre quatro rodas, preferencialmente entre amigos. O livro do meu amigo Eustáquio Gomes, O Mandarim, traz essa historinha bem detalhada.

De volta à Paris: seminários e obras (atrasadas)

Bem, voltemos a Paris ontem. Meia hora após embarcar no bonde perto do apê, desci na estação da Université de Creteuil. Atravessei um bosque entre prédios modernos e caminhei uns 400 metros até chegar ao auditório onde iria assistir a dois seminários sobre editoras e direitos autorais em tempos de Inteligência Artificial.

No endereço onde deveria estar a entrada do auditório, encontrei um tapume imenso indicando que, em breve, estará pronta a nova linha de metrô que ligará Paris ao aeroporto de Orly, que estava previsto para ter sido entregue no ano passado, durante as Olimpíadas. As obras da nova linha estão atrasadas, e a estação prevista para o campus da universidade, segundo o anúncio fixado no tapume, será futurista.

Melhor atrasado do que como fizeram em Fortaleza que, além de não ter sido entregue como prevista para a Copa do Mundo, a linha ficou pronta muitos anos depois e termina abruptamente no meio do nada, cercado de casas, e você não sabe onde está. Parece o metrô de São Paulo que liga a capital ao aeroporto de Guarulhos: pára no meio do nada, uns 4 km antes de chegar no aeroporto. Coisas de Brasil.

A alma universitária que resiste

Matei a saudade da vivência de campus universitário onde passei a maior parte da minha vida. É bom poder ver os jovens sentados em mesas espalhadas pelo campus, num dia de sol, comendo seus lanches e jogando conversas fora — tão importante para a formação e alma de cada um de nós, cujas marcas levaremos para o resto das nossas vidas.

Voltei para o apê onde preparei almoço e fui rever documentos para a viagem do próximo dia 21, próxima quarta-feira à noite.

Só saí no final da tarde para fazer uma boquinha em Montparnasse.

Amanhã tem mais.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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