Quartas-feiras, Guinguettes e Memórias no Bosque de Vincennes

Bon jour à tous!
Um dia de primavera no Bois de Vincennes
Ontem foi dia de programa primaveril. A temperatura máxima chegou a agradáveis 22 graus, e decidi visitar uma guinguette situada no Bois de Vincennes, o maior bosque de Paris, com 9,95 km² — o que o coloca como o segundo maior bosque urbano do mundo, atrás apenas do Griffith Park, em Los Angeles, com 17 km².
As guinguettes surgiram no século passado como bares que ofereciam vinho barato, produzido nas encostas de Montmartre e isento de impostos. Além das bebidas, havia música para dançar ao ar livre. Por isso, com a chegada da primavera, as várias guinguettes de Paris e arredores reabrem suas portas, muitas delas às margens dos rios que cortam a cidade. No Bois de Vincennes existem duas, mas ambas estavam fechadas no horário em que fui ao parque.
Trilhas, lembranças e utopias universitárias
Saí do apartamento por volta das 14h com temperatura amena, peguei o ônibus 56 até o castelo de Vincennes (ponto final da linha) e fui a pé até o lago onde fica uma das guinguettes. A caminhada de quase 4 km seguiu por trilhas entre a floresta densa desta época do ano.
Ao descer do ônibus, veio à memória um tempo distante: minha juventude e os anos na Unicamp. Em 1974, pouco antes da formatura, um casal de colegas abandonou o curso para estudar em Paris, na recém-fundada Universidade de Vincennes. Foi nessa região, ao redor do castelo, que surgiu a proposta do Centro Universitário Experimental de Vincennes, um modelo pedagógico inédito criado em 1970. A iniciativa foi uma resposta do governo francês às barricadas estudantis de maio de 1968, como uma tentativa de conter os mais radicais e, ao mesmo tempo, oferecer uma nova experiência educacional — que incluía, por exemplo, os alunos escolherem suas próprias disciplinas.
Mas a herança simbólica de maio de 68 pesou: o campus se tornou palco de confrontos entre várias tendências da esquerda radical e a polícia parisiense. Em 1980, durante as férias de verão, o governo enviou tratores para demolir todos os prédios do campus. Hoje não há vestígios desse tempo. Os alunos foram redistribuídos e a experiência Vincennes ficou nos livros de história. Quanto aos meus dois colegas, nunca mais tive notícias.
A arte de não fazer nada
De volta à minha caminhada: entrei por uma trilha a cerca de 50 metros do ponto de ônibus, mergulhei no bosque e segui até a beira de um dos três lagos do Bois. Nenhuma garrafa PET, nenhum guardanapo jogado no chão durante mais de 3 km. Cheguei a uma barraca que vendia crepes, sorvetes, refrigerantes e muita água. Pedi uma garrafa e sentei-me. Não levantei mais.
Sabe aquele momento em que dá vontade de simplesmente não fazer nada? De deixar o olhar se perder entre o verde e as multicores da paisagem, enquanto todos os músculos — especialmente os dos olhos — se entregam à contemplação? Pois foi nesse estado de inércia contemplativa que percebi ao meu redor uma imensa massa de cabelos brancos. Era quarta-feira, o dia dos avós na França.
Quartas-feiras e a laicidade francesa
Explico: um acordo histórico entre o Estado francês e a Igreja Católica determinou que às quartas-feiras não há aulas nas escolas públicas infantis. Isso vale também para algumas escolas particulares, como experimentei na Aliança Francesa, onde não havia aulas às quartas, mas aos sábados, sim. O Estado laico francês eliminou o ensino religioso das escolas, e as quartas-feiras passaram a ser dias reservados para atividades familiares, religiosas ou recreativas. Famílias que não têm com quem deixar as crianças podem levá-las à escola, onde elas participam de atividades lúdicas. Já as que têm avós disponíveis, saem para passeios de mãos dadas pelos parques e bosques da cidade.
A despedida de Ligia
O sol já se inclinava para o oeste quando recebi uma mensagem no celular. Era uma notícia triste: minha antiga professora e amiga da Unicamp, Ligia Osório Silva, havia partido. Morreu no mesmo dia que Pepe Mujica. Gosto de imaginar que talvez se encontrem — quem sabe? — em algum lugar acima de nós.
O dia ficou mais cinza. Voltei para o apartamento.
Amanhã tem mais.