Paris: Pétalas, poesia e problemas
Um guia de como se hospedar na cidade da luz

Bonjour à tous!
Hoje, terça-feira, assim como ontem, segunda-feira, o dia amanheceu com céu azul e sem nuvens. As temperaturas, após a canícula da semana passada, voltaram ao normal para esta época do ano — entre 7 °C e 9 °C pela manhã, com máximas variando entre 13 °C e 21 °C.
Ontem, segunda-feira, apreciei Paris da janela do apê de quarto e sala onde estou hospedado este ano, no 12 M arrondissement, situado na charmosa rue Bel-Air. Ela fica à beira do leito da antiga linha de trem, de 36 km, que circundava Paris pelas bordas, abastecendo o comércio da cidade. Ao longo da linha havia entrepostos de distribuição. Como já narrei aqui neste diário, essa linha férrea foi desativada na década de 1990 e, hoje, é um caminho florido por onde a população pode caminhar sobre os antigos trilhos.
Como foi segunda-feira, dia clássico de faxina para qualquer cidadão, e como por aqui as diaristas são uma categoria que nunca vi, o jeito foi pegar o aspirador de pó, o pano de chão, os produtos de limpeza e partir para o ataque — especialmente às migalhas de pão que insistem em cair no chão e se esconder nos lugares mais impróprios, como os cantos da parede onde nem o potente sugador de ar do aspirador consegue alcançar.
Ainda bem que o apê é relativamente pequeno, e em pouco tempo dá para passar pano nos móveis, aspirar o chão, limpar o banheiro etc. Nada demais para o cotidiano de uma casa ou apartamento.
O verdadeiro problema foi na hora de usar a máquina de lavar. Coloquei a roupa na máquina, fui ligar e… cadê o botão de ligar? Procura daqui, procura dali, e nada. Como a máquina está embutida, me abaixei para ver se havia algum botão escondido. Também nada.
O jeito foi escrever para o proprietário pelo site do B&B. Ele me instruiu a apertar um botão que para minha surpresa não existe mais. Com o uso, o botão simplesmente se apagou, e o proprietário também nunca colou um papel com instruções básicas do tipo: “aqui é o botão da nave espacial”.
Sorte que Brian responde rápido e enviou instruções. Disse ainda que a máquina também seca a roupa. Oba, pensei. Que nada! Lavei tudo na primeira vez, roupas secas e tudo. Fui apertar o botão para secar, devo ter feito algo errado, e a máquina lavou tudo de novo.
Conclusão: passei quase cinco horas assistindo, através do vidro, a máquina “trabalhar”. Aliás, nunca entendi por que nós humanos insistimos em dizer que as máquinas “trabalham”. Quem sabe o que é trabalhar somos nós, os fabulosos Sapiens. As máquinas são apenas programadas para executar suas funções — até o dia em que deixam de nos servir. E por mais que alguém ame seu liquidificador, sua máquina de lavar ou seu automóvel, nunca vi ninguém fazer enterro de liquidificador.
Enterro de gato já vi muitos. E, por falar em gatos, minha vizinha nunca mais deixou a Fifi aparecer na janela para acenar para mim. Escrevo de frente para a janela da sala, com o laptop no colo, observando o passar do dia do lado de fora. Olho para a janela dela e só vejo o potinho de comida da Fifi. Ela mesma — que ajudava a dissipar a saudade das minhas gatinhas que ficaram no apê, em Sampa — nunca mais deu o ar da graça.
No final da tarde, por volta das 17h00, ainda com o sol a pino, saí do apê e fui caminhar pelo leito da antiga estação ferroviária para ouvir o canto dos passarinhos e observar as flores que brotam em todos os lugares, despertando para a vida após o longo sono do inverno. Procurei as grandes e as diminutas, as que brotam no meio da grama e nos trilhos do trem. Senti-me livre depois de ter ficado o dia inteiro no apê, lendo e escrevendo — ofício de jornalista e de poeta. Escrever é uma necessidade de vida, como beber água.
Enquanto buscava as cores das flores, lembrei-me de um trecho do poema de Alberto Caeiro — um dos heterônimos de Fernando Pessoa — no poema: O Guardador de Rebanhos – canto XII
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à Terra
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino
A mim ensinou-me tudo
Ensinou-me a olhar para as coisas
Aponta-me todas as coisas que há nas flores
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas
E assim, caminhando por entre trilhos e flores, fui me despedindo de mais um dia de primavera.
Amanhã tem mais!
Ótimo texto, com humor, beleza e poesia, além de fotos maravilhosas.
Thanks for sharing! I learned something new today.