Brô MCs , o Capitão, e o filósofo da Freguesia do Ó

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Ozores
Diário do Fim do Mundo, dia 15 de abril, sexta-feira da Paixão de acordo com o calendário cristão católico ortodoxo ,do ano empesteado da desrazão de 2022.
Aqui, do meu refúgio da minha República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba, continuo lançando minhas provocações com o ‘Só a poesia nos Salvará’.
O grande filósofo alemão Georg Hegel tinha 37 anos quando viu Napoleão invadir a sua Prússia e fez um comentário que perpassou para os séculos seguintes. “Hoje eu vi a razão montada num cavalo branco”, assim se referiu Hegel ao ver a figura do general corso, em 1805.
Exatos 217 anos depois dessa frase ter sido pronunciada, hoje eu ouvi outra frase, também instigadora, pronunciada pelo filósofo da Freguesia do Ó, da minha Sampa Desvairada: “Quem é o idiota que travou a cidade inteira para passear de moto, pela marginal do Tietê, em nome de Jesus?”.
O que o filósofo da Freguesia do Ó não sabia até aquele momento em que foi entrevistado, era que o invasor da Sampa não era Napoleão, mas sim o Capitão seguido por algumas centenas de motoqueiros vestidos à la Hell’s Angel’s. E daí a comparação com os versos do bruxo de Lisboa foi instantânea. Disse o bruxo lisboeta do famoso verso de “Tabacaria”

“O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo,
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez”
e continuou:
“Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?”
Bem, foram esses alguns dos versos que Fernando Pessoa, no poema Tabacaria, mostrava sua angústia e olha que lá se vão quase cem anos.
Mas , entre Napoleão, Capitão, Pessoa, Hegel e o filósofo da Freguesia do Ó, minha mente divagou e foi buscar nos versos dos Brô Mc’s uma explicação para a geleia geral brasileira. Encontrei parcialmente uma explicação no grupo de jovens indígenas das aldeias Bororó e Jaguapiru, no sul de Mato Grosso do Sul, especialmente no município de Dourados; formado por Clemerson Batista, Kelvin Peixoto, Charlie Peixoto e Bruno Veron. Criado em 2009, o grupo de rappers Brô Mc’s canta em português e no idioma nativo, o Guarani-Kaiowá, e tem como objetivo valorizar a cultura nativa. Vou ler para vocês a letra / poema:
A Vida que eu Levo

É sonhar mais a cada dia que passa
Brô e Fase Terminal traz a mensagem nas comunidades
Sempre sonhamos em mudar a realidade
Sofrimento jamais, é só pazNeste mundo que vivemos só existe ilusão
Por isso, eu te digo: se ligue, meu irmão
Amor, amizade e a paixão
Sonhos que se vão e deixam para trás tamanha recordação
Sempre que acordo mais uma noite se passou
Todos nosso sonhos se perderam pelo amor
Tenho fé еm Deus que tudo vai mudar
Basta ter talеnto, lutar e confiar
Sei que não é fácil viver assim
Criminalidade, violência neste mundo, enfim
Te mostro a vida de verdade
Seja bem vindo à minha realidade
Sei que, quando eu passo, me olha diferente
E a gente luta para manter a nossa crença
O homem branco traz doença, dizimou o nosso povo
Causou a nossa miséria e agora me olha com nojo
E me orgulho do meu povo
Esse povo que é guerreiro, é batalhador
Um povo que resiste com força e com amor
Amor pela terra querida
Amor por seus filhos e filhas
Filhos e filhas, marcados pela vida
Mais de quinhentos anos uma ferida que não cicatriza
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por ti
Vive em mim a esperança de uma nova vida
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por ti
Sei que não é fácil levar a vida desse jeito
Fazer o que? Me rendo ou luto contra ao preconceito?
Sou índio, sim, pobre, mas não burro
Como pensa esse sujeito
Daquele jeito, continua a minha sina
Sabendo muito bem quem gerou a minha ruína
Quinhentos e dez anos de abandono confinados em reservas
Em que mal cabe nossos sonhos
Pra nos o que kit índio é o papel e a caneta
Rimando na batida, eu vou levando a minha letra
Então aquele kit que você pensa, babaca
Rindo com os amigos, uma corda e uma baca
Vai achando graça, mas o papo aqui é sério
Você e sua cachaça mandou muitos pro cemitério
Terra sagrada pra nós é tekohá
Fazendeiro ocupa, não tenho medo de falar
De lá pra cá, guerras, conflitos
Chegou a hora de lutar pelo direito dos índios
Ainda assim, sou perseguido
Discam 190, discam, discam, discam
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por ti
Vive em mim a esperança de uma nova vida
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por tiPés descalços, sem camisa, sol a pino
Shortinho rasgado, de porta em porta campainha toca
Madame ignora, finge não ver o indiozinho indo embora
Com a família na carroça, vindo da roça
Oferece muito pouco sem apoio
Plantam o que dá, colhe o que restar
Levam pra trocar por um pouco de grana
Milho, mandioca na oca
Reza: “Por que tanta miséria ao lado da cidade?”
Reserva, favela, sequela que fica
Desnutrição infantil, índio suicida
E os que ficam procuram uma saída, poucas alternativas
Sendo alvo do desprezo da sociedade não-índia
Invisíveis, perambulam pelas ruas da cidade
Sentindo o preconceito e a maldade na carne
Proibidos de entrar no hotel, no restaurante
O mesmo que exibe quadro de índio aos visitantes
Ação repugnante, elite ignorante
Se esquecem que também são ser humanos
Mas mais parecem monstros
Tomados pelo dinheiro, pelo poder
Acham lindo o índio nos quadros, nas paredes
Artefatos, diversos artesanatos
Mas, de fato, tá enganando quem?
Olha a criança com desdém
Quando vem diz que não tem
Trata como se não fosse ninguém
Depois da oração, todos dizem “amém”
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por ti
Vive em mim a esperança de uma nova vida
Vive em mim
Também por ti
Irmão índio que ainda acredita
Também por ti “

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