Notícias

Cembranelli , o médico que curava só com ouvido

Memórias Caiçaras

Crônica histórica de  Ana Maria Fernandes

Ilustração: Arnaldo Passos

Fico vendo hoje como cada pessoa escolhe ou é  escolhido para desempenhar sua função ou missão na vida e me lembro que quando
menina tive a oportunidade de conhecer, ainda que rápida, mas eficazmente,  uma pessoa muito especial que mudou minha vida. Depois desse único contato com essa pessoa,  pude brincar, cantar, estudar e sobretudo me encher de picolés e sorvetes  que nos eram oferecidos pela Igreja Católica a quem, como eu , fazia o catecismo até o fim do ano. Até hoje não sei se era igreja que  pagava aquele sorvete ,ou se se era cortesia do senhor Eugênio Zuilberger, o dono da Sorveteria Adria, situada no centro de Ubatuba

O certo era que eu ficava na vontade de tomr o sorvete, mas não podia. Eu sofria de uma bronquite crônica que me impedia de fazer quase tudo,  o que  me entristecia bastante.  Minha mãe me levava ao médico aqui, me dava xaropes ali,  dava  mezinhas, e simpatias então,  nem sei quantas fiz e nem como eram feitas. Até porque a pessoa que ia ser tratada pela simpatia nunca podia saber do que ela havia sido feito. O que sei,  é que volta e meia , lá estava eu acamada, com o meu  peito chiando e com  emplastro de banha de galinha tanto no peito quanto  nas costas. Nem a água do pote podia tomar pois era muito fria, dizia minha mãe.

Vai daí que minha mãe tinha entre suas amigas da Igreja Católica,uma senhora  chamada Adelina ,  que tomava conta da casa de um médico muito conhecido na cidade de Taubaté, mas que em Ubatuba  pouco se falava dele. Ela se dispôs a pedir a esse médico  que permitisse que mamãe me levasse até ele para ser examinada, o que foi feito. No dia e horário combinado estávamos lá na porta da casa dele que nos atendeu de fato.

Homem de poucas palavras,  ouviu a queixa de mamãe a meu respeito, depois pediu a ela abrisse o meu vesti e do deixasse a mostra meu peito raquítico . Ele que era um homem grandalhão, e ombros largos se abaixou ,  e em ambos lugares (no meu peito e nas minhas  costas) colocou seu ouvido e me mandou  que eu respeitasse várias vezes. Depois ali  em pé mesmo no corredor, pegou um caderno e fez algumas receitas, explicando à minha mãe que  deveriam ser aviada  e manipulados na   Farmácia do Filhinho. Receito  também injeções, chá de algas do mar,  e torradinhas na chapa (fogão de lenha) .  Por último, depois de tudo,  um último medicamento que deveria ser preparado na Farmácia Santa Therezinha em Taubaté. Minha mãe fez tudo como ele mandou e antes de terminar o último medicamento eu já estava curada! Gente CURADA!!!!! PODIA agora brincar, cantar e tomar aqueles deliciosos e desejados  SORVETES da Adria!!!

Quem foi esse anjo que Deus usou para me devolver a infância , a alegria ?:

Foi o Dr.  José Alves Cembranelli, conhecido e afamado médico da cidade de Taubaté, inclusive  por suas pesquisas sobrte o câncer. Esse homem, cientista e médico me atendeu de uma  maneira sui gêneris.  Qual profissional da saúde, hoje em dia ,  que sendo médico, fecha um diagnóstico de um paciente sem qualquer  exame complementar  , e que faz uma ausculta pulmonar sem ao menos um estetoscópio, se valendo apenas  do próprio ouvido? Qual o médico hoje que receita em folhas de caderno , sem timbre,  mas que tem a suas receitas  respeitadas e aviadas pelos farmacêuticos  sem perguntas e  que dessa forma  promoviam a cura do paciente ?

Falo assim, porque a maioria dos profissionais da saúde, se esqueceu  de duas coisas fundamentais : de ouvir e de tocar o paciente. Só depois desses 2 atos simples,  se deve  solicitar os exames complementares . Hoje em dia quantos  exames  não pedem ?

Mas está tudo mudado. Todo o diagnóstico se faz pela máquina,  com o médico atrás da mesa, vestido de um branco impecável , imaculado. Por favor não sou contra os RX, as tomografias e outros recursos , pois elas colaboram e muito para o diagnóstico. Mas a humanização na medicina  ainda é fundamental.

Talvez até em função dessa minha admiração pelo Dr. Cembranelli  foi a razão pela qual me tornei profissional da área da saúde me dedicando a ela por quase quarenta anos. por 40 anos como enfermeira. Fica aqui minha eterna gratidão ao Dr Cembranelli por ter devolvido minha infância e a cidade de Taubaté de onde ele vinha. Tenho mais de sessenta anos e nunca mais tive bronquite em minha vida. Isso aconteceu por volta do ano de 1964.

Técnica em enfermagem aposentada, Ana Maria Fernandes é apaixonada pelo folclore caiçara de Ubatuba, onde vive há mais de 60 anos, e contadora de causo já participou de vários grupos folclóricos. Atualmente é colunista da Revista Cancioneiro Caiçara e apresentadora de programas da RCC no Facebook

 

A Cancioneiro Caiçara tem o apoio cultural da Hidrel. Uma empresa genuinamente caiçara.

 

Pitagoras Bom Pastor

Pitágoras Bom Pastor de Medeiros, é formado em direito e pós graduado em jornalismo digital

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Aninha, hoje mudou muitas coisas, também sofria de bronquite, minha também fez muita simpatias. Infelizmente os médicos parecem que tem medo de nos examinar, pedem rx de tudo, o qual se fizermos em excesso causa muitos males para a nossa saúde. Sem contar que não dão tempo pra gente falar tudo que está nos acontecendo, devido rapidez do atendimento. E também o número exagerado que são obrigados no atendimento de pacientes imposto pela Secretária da Saúde. E quem é prejudicado é a população que não conta com um atendimento humanizado pelos médicos, não os culpo, porque também sofrem pelas exigências do Poder Publico que querem números para o pagamento de cada paciente pelo SUS. Feliz você que encontrou um médico que lhe atendeu com tamanho carinho. Agradeço muito o pediatra dos meus filhos, um judeu super médico humanizado, que hoje ainda atende alguns netos meus.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo