Desafiando a misoginia, Guararema teve mulher eleita prefeita em 1964

Exemplo de mulher independente, Deoclésia de Almeida Mello foi pioneira no poder e na política no Alto Tietê e Vale ( série em homenagem ao aniversário de Guararema que fez 122 anos em 19/09)Reportagem e texto: Pitágoras Bom Pastor Video: Wiesi multmídia Fotos Arquivo Público
No início de 2018, eu e um parceiro chamado Willian, tencionávamos criar um site de notícias denominado Mogi- Guararema, foi nessa época que eu regatei com sua filha Rosinha, infelizmente também já falecida , a fantástica história de uma professora solteira, que na década de 60 tornou -se a segunda mulher a se eleger prefeita no estado de São Paulo e a 3a no Brasil. Como agora a Radio Revista Cancioneiro Caiçara também abre espaço para a Guararema e para cultura caipira, vou contar aqui a história dessa mulher e também da sua filha adotiva Rosinha. História que resgatei com a fuiilha em uma entrevista que fiz em março de 2018 e da qual tenho apenas um pequeno vídeo, que exibo acima. A História de DeoclesiaPrefeita eleita em Guararema, no ano de 1964, a professora Deoclésia de Almeida Mello, foi a segunda mulher eleita para esse cargo no Estado de São Paulo e a terceira no Brasil. Se isso já é motivo para se contar sua história, uma pequena pesquisa sobre ela revela uma mulher , que foi definida por sua filha única , Maria Rosa dos Santos Rios, 67 anos ( filha de criação), com uma frase que apesar de ser chavão é esclarecedora : “ uma mulher à frente de seu tempo”. Professora pública, ela falava fluentemente 6 idiomas, inglês, francês, alemão, italiano, latim e português. Nasceu em Guararema, numa casa próxima à estação ferroviária, em 1900. Seu pai, segundo ela relatara à Rosinha, tinha uma beneficiadora de café no bairro do Paião. Sua biografia oficial é muito pequena. Não passa de vinte linhas. Como ela não se casou, nem deixou familiares próximos na cidade, exceto Maria Rosa, mais conhecida como Rosinha, sua história e sua grandeza são poucos conhecidas. Segundo Rosinha, a ex- prefeita lhe contou que, cedo ainda, com 10 anos de idade foi internada no Colégio Sion em São Paulo. Depois formou-se professora, iniciando a sua carreira profissional no bairro da Mooca. Deoclésia ficou noiva, mas nunca se casou. Segundo teria relatado à sua filha, em 09 de julho de 1932, ela estava a corrigir umas provas escolares, quando então seu noivo, um engenheiro de 32 anos, chegou em sua casa e lhe disse: – “Deoclésia, a coisa está feia. O povo de São Paulo pegou em armas contra Getúlio.” Ela retrucou: – “E o senhor, meu noivo, o que pretende fazer a respeito disso?” E ela respondeu-lhe com firmeza : – O homem que não presta para defender seu chão, não presta para defender sua família, boa noite. Na noite seguinte, numa prova de amor à sua noiva, o jovem engenheiro retornou à casa dela já fardado. Partiu para o combate como, engajado no posto de tenente da tropa constitucionalista da Força Pública paulista, mas não voltou. Morreu numa batalha. Rosinha não se lembra o nome dele. Lembra-se apenas que ele seria de uma família de Torrinhas-SP. Mas o diálogo ela reproduz com exatidão, de acordo com o que lhe contou a mãe. Certa feita, Rosinha questionou a Dona Deoclésia se ela não teria ficado com remorso por ter sugerido ao noivo que fosse servir a Revolução, o que lhe custou a vida. Sua resposta foi enfática: – Não. Afinal, quem usava calças era ele e não eu. Rosinha conta que o pai de Deoclésia teria sido um dos fundadores de Salesópolis, mas ela também tinha família em Guararema. Dona Deoclesia, dizia que a família Mello – cujos membros mais conhecidos hoje são os irmãos , sitiantes Pedro Souza Mello , – o popular Pedro França e Benedito Souza Mello – o Didi França e o empresário João de Souza Mello- eram seus parentes . Rosinha lembra-se de que Deoclésia costumava ser visitada pelo agricultor Braz de Souza Mello, pai de Didi e de Pedro e o chamava de primo. Conforme Rosinha, até mesmo o grande líder na política local nas décadas de 50 e 60, João Freire, era primo de Deoclésia. Embora adversários políticos, João e Deoclesia mantinham um certo respeito, que Rosinha atribuia ao parentesco. Segundo ela , o pai de João, Sr. Francisco Franco, conhecido por seu Vavá, pedia a João que não brigasse com Deoclésia por que ele era da família ( prima). Apesar do respeito entre os primos, o clima na eleição de 1964 foi muito quente. Certa feita, – conta Rosinha – , num dia de campanha eleitoral, os adversários políticos de Dona Deoclésia postaram-se na praça em frente à sua casa e lhe mandaram um recado dizendo que se ela saísse na rua iria apanhar. A irmã mais velha de Deoclésia, Dona Chiquinha, que morava com ela lhe ordenou : – Deoclesia vá buscar um doce para mim na padaria e vá agora. Deoclésia entendeu o recado. Vestiu-se , como sempre se vestia , com toda a pompa. Calçou seus sapatos altos e passou no meio da turba. Não demonstrou o medo que de fato, sentia. Assim, ganhou mais ainda o respeito de seus adversários. Ameaças verbais, ataques à casa do adversário com fogos de artifício, principalmente à noite para prejudicar o sossego e assustar o oponente eram comuns nas eleições de cidades interioranas. Deoclésia também foi vítima disso, mas jamais revidou. Entretanto, essas táticas contra ela não surtiam efeito. Tinha mesmo um espírito de guerreira. Rosinha a filha negra que Deoclésia escolheu para amar![]() Rosinha foi morar com Deoclésia quando tinha dez 10 anos. Foi a ex-prefeita que pediu para sua mãe Dona Flaurita que a deixasse aos seus cuidados. Ela não tinha filhos e queria uma menina que pudesse amar e educar com o amor de mãe . Dona Flaurita querendo o melhor para a filha, a deixou com a então professora, isso no começo dos anos 60. Mas Deoclésia, apesar de amar Rosinha, não a adotou legalmente. Queria que ela continuasse ligada à mãe biológica , e sempre a levava para visitá-la em Salesópolis. Entretanto, tratou-a sempre como filha e lhe deixou como herdeira única de seus bens. Rosinha se lembra dos conselhos da mãe Deoclésia com muitas saudades. Um deles foi o mais marcante para ela: – “Nunca deixe ninguém lhe por um cabresto “- dizia. Recomendar isso para uma menina em 1960 era revolucionário. Na época, as mulheres eram treinadas para se casar e obedecer seu marido. Mas esse conselho , para Rosinha, tinha um significado ainda muito maior: Ela era mulher; mas além de mulher era negra; e além de negra , era neta de Rosalina dos Santos, com quem conviveu até seus 25 anos. Rosalina nascera no final do século 19 e só não foi escrava porque seu nascimento se deu após a Lei do Ventre Livre ( 1871) . No entanto conviveu com os escravos, inclusive da própria família e gostava contar à neta os horrores da escravidão. Tinha, a avó, orgulho de dizer ,que na família dela, vários de seus parentes foram colocados no “tronco” para sofrer torturas, mas nunca se humilhavam para o senhor ( nem com choro ou pedidos de clemência). Deoclésia, também era amiga da avó e da mãe biológica de Rosinha, por isso talvez quis dar um grande destino para a sua Rosinha. Rosinha veio para Guararema ; conseguiu estudar e tornou-se funcionária pública da Secretaria da Educação ( trabalhou na escola Roberto Feijó). Só se casou depois dos 3O anos e hoje tem 2 filhos, Marcelo e Milton, aos quais ama com a mesma intensidade de quem foi amada por duas mães, Flaurita e Deoclésia. Admira igualmente as duas. Sua mãe biológica também era uma mulher muito forte de caráter e isso herdou da avó, quase escrava – diz Rosinha. Rosinha , infelizmente, morreu em 14 de novembro de 2018, mas nós ainda , na presença de seus 2 filhos Marcelo e Milton , pudemos resgatar a sua história e a história das suas duas mães, a preta e a branca. Deoclesía na PolíticaSegundo me contou Rosinha, foi no primeiro governo Adhemar de Barros, no início dos anos de 1940, que Deoclésia conseguiu ser transferida para Guararema. Logo começou a desenvolver um excelente trabalho social que a fez uma autêntica líder local. Ela tinha muita força política em São Paulo, com deputados e também com os governadores Adhemar e Jânio Quadros. Os líderes políticos , enciumados com a sua movimentação a criticavam com frases machistas do tipo “lugar de mulher é na cozinha” e outras. O preconceito contra mulher na política que ainda hoje existe, era ainda infinitamente maior nos anos 50 e 60. Para Deoclésia essas críticas surtiram efeito ao contrário. Ele sempre quis mostrar que lugar de mulher também é no comando. Segundo me contou Rosinha-, ela se candidatou -se várias vezes , até que foi eleita e tomou posse em 1964. Cumpriu seu mandado com rigorosa honestidade. Quando viajava a São Paulo a serviço da Prefeitura levava sua filha,- que era uma espécie de secretária particular não remunerada. Mas as despesas de Rosinha era ela quem pagava de seu próprio bolso e não a Prefeitura. -“Certa feita,- disse Rosinha – um vencedor de licitação lhe ofereceu uma propina. Deoclésia falou duro com ele: – Muito bom, a porcentagem que o senhor me oferece, o senhor coloca na nota fiscal como desconto em favor da Prefeitura, estamos conversados? Isso era Deoclésia de Almeida, a terceira prefeita eleita no Brasil. Morreu em 1980 com o mesmo patrimônio que possuía quando chegou a Guararema. Honesta, solidária, corajosa e independente ganhou um respeito unânime não só de seus amigos e eleitores, mas até mesmo de seus adversários políticos. ![]() Deoclésia uma líder sem marido e sem esquemasSegundo o TSE “Luíza Alzira Soriano Teixeira foi a primeira prefeita eleita no Brasil e na América Latina. Tomou posse no cargo em 1º de janeiro de 1929. Viúva, disputou em 1928, aos 32 anos, as eleições para a prefeitura de Lajes, cidade do interior do Rio Grande do Norte, pelo Partido Republicano, e venceu com 60% dos votos. Sua administração durou apenas sete meses. Na Revolução de 1930, perdeu o seu mandato por não concordar com o governo de Getúlio Vargas”. Mas sua eleição se deveu ao prestígio político se seu falecido marido o verdadeiro chefe o No estado de São Paulo, a primeira prefeita foi da cidade de Itanhaém. Chamava-se Spasia Abertina Bechelli Cechi. Foi prefeita interventora nomeada pela Câmara, graças também ao prestigio de seu marido, empresário Mansueto Cechi, que não podendo ser político por ser italiano, a lançou . Seu mandado foi de apenas um ano e sete meses. Diferente das duas primeiras, Deoclésia não era casada. Não tinha apoio de uma grande família e nem mesmo apoio financeiro para fazer campanha. Sua eleição deveu- se acima de tudo à sua grande capacidade de liderança. Liderança de uma mulher que não era rica e muito menos casada. Isso , ainda hoje é fato raro , o que demonstra o seu pioneirismo e a sua relevância histórica. |
Muito esclarecedor e fortalecendo,a história dessas três mulheres, fortes,guerreiras e determinadas em um época em a a obediência e submissão da mulher era normal.Todavia elas fizeram a diferença em tempos diferentes do nosso,que apesar de tudo ainda olha para a mulher como algo estranho,como se ela não fosse um ser pensante com a mesma capacidade mental do ser masculino.Guararema foi é e privilegiada por ter uma mulher que de fato viveu a frente do seu tempo.Aninha