O Dia que eu tirei leite da galinha

Memórias e histórias da Aninha enfermeira
Texto e fotos Ana Maria Fernandes*
O que vou é escrever é um fato verídico que aconteceu comigo na Santa Casa de Ubatuba, na década de 80.
Quando as noites viravam dia para nós da enfermagem, as horas não faziam diferença. Crianças nasciam, campainhas tocavam, o Pronto Socorro funcionava nem que fosse para atender a alguém que havia tomado umas a mais. Enfim , a Santa Casa era uma espécie de hotel que nunca fechava.
Naquele tempo eu era auxiliar de berçário, ou seja , eu entrava em salas de parto normal, em salas parto cesariana para nelas receber os bebês recém nascidos. Podia , aindam ir atendia à Maternidade, mas só. Outros locais me eram proibidos por causa da contaminação do ambiente , que podia, caso os frequentasse, passar aos bebês a mim confiados. Além disso eu atendia uma outra função; a de lactarista, ou seja, quem como eu trabalhava no berçário também fazia as mamadeiras para a pediatria.

A auxiliar da pediatria pedia-me mamadeiras às vinte e três horas e às quatro da manhã. No lactário havia um fogão, uma geladeira, um armário, uma mesa de mármore, um liquidificador e claro as mamadeiras mergulhadas em líquido higienizados. A colega da pediatria deixava em anotado numa grade quantas mamadeiras precisava e de que deveriam ser preparada. Maizena, leite, creme de arroz com ou sem leite, soja e, acreditem! leite de frango. Aprendi a fazer leite de frango. isto mesmo , leite de frango, que consistia em um peito de frango cozido sem pele e sem gordura o qual era desfiado e batido no liquidificador com glicose e as vitaminas que o médico indicasse. Feito isso estava pronta a mamadeira de leite de frango, a qual era dada às crianças desnutridas que eventualmente fossem alérgicas a leite de vaca .
Certa noite achei os pedidos na grade e entre eles havia um recado :
“Precisamos uma mamadeira reforçada de amido de milho bastante leite . Como a gente, do lactário e enfermeira que pedia a mamadeira, quase nunca se via ou se falava pessoalmente , eu fiz, por quase duas semanas, a tal mamadeira extra. Depois a tal enfermeira deixou-me recado dizendo que não ia mais precisar daquela mamadeira especial. Esqueci-me desse assunto até o dia que nos encontramos, eu a lactarista e a enfermeira que fazia os pedidos da mazien, no cartão de ponto . Então perguntei a ela se o paciente da tal mamadeira reforçada havia obtido alta médica , ao que ela respondeu:
-Sim e queria lhe agradecer, pois graças as suas mamadeiras especiais e aos cuidados da ala de adultos, o paciente havia se recuperado. Então ela explicou :
-Havia no corredor da Santa Casa um quarto chamado por nós da enfermagem de o quarto 5 . Nele ficavam pacientes mais graves ou muito doentes mesmo. E lá, ela havia descoberto em uma de suas “rondas” um idoso que lá estava sozinho, sem sequer acesso uma campainha. Era mais de dez horas da noite e ele estava com muita mas muita fome mesmo. O .que fazer – , pensou ela. Àquela hora não havia copeira e a cozinha há muitas horas fora fechada. Então ela teve a brilhante ideia de pedir-me uma mamadeira a mais para oferecer ao idoso . Com isso e os cuidados da equipe da ala de adultos, ele melhorou , obteve alta e foi para casa ficar junto aos seus familiares. Ela então terminou dizendo :
Deus lhe pague, Aninha, nossa missão está cumprida.
Fui embora também contente, pois eu havia ajudado, com um pequeno gesto, a melhorar e mudar a vida de alguém. Mais uma vez valorizei acreditei na importância de um pensamento que tenho comigo : São as vezes pequenas coisas que podem mudar uma vida.
- Ana Maria Fernandes, 69, mineira de nascimento caiçara de Ubatuba por conversão e imersão na cultura, dedicou toda a sua vida profissional à sa Saúde Pública, inspirada por sua fé católica. Paralelamente, desde criança participa de vários grupos folclóricos caiçaras, sendo além de uma amante dessa cultura uma ferrenha defensora e divulgado. Apesar de gostar de escrever, é a primeira vez que escreve em uma mídia profissional.
Oi Ana. Muito bacana as histórias. Realmente não precisamos – na maioria das vezes – de gestos ou feitos grandiosos para realizar algo em prol da comunidade. São as pequenas atitudes, feitas com amor que resolvem. Parabéns.
Além de tia,quem sugeriu meu nome, madrinha de batismo, tenho mto orgulho da ” Aninha” . Como assim todos a conhecem. Parabéns por sua missão transformada em profissão. E sua paixão por nossa cultura caiçara tão esquecida.
Eu e Aninha somos amigas online e de live, já havia ouvido edta história dela como muitas outras, é u Ser Humano admirável, na sua simplicidade é rica em sabedoria e tem um conhecimento muito grande da cultura caiçara de Ubatuba. Parabéns minha amiga por trazer esta história linda. A beleza está nos pequenos gestos que se tornam grande e fazem diferença na vida das pessoas
Quando me refiro a Aninha, é a a Ana Maria Fernandes, é o me jeito carinhoso de tratá- la. Um Ser admirável cheia de qualidades…
Doce é a lembrança da minha tia Ana contando suas histórias quando eu era adolescente. Fez-me voltar no tempo e sentir muita saudade.