Os Diários do Ozores

Nos Trilhos de Paris: Um Diário de Bordo pelos Banlieues

Reflexões e observações de uma travessia urbana muito além dos cartões-postais

11 de maio de 2025

Céu de Brigadeiro e Subidas de Temperatura

Bon jour à tous!

Ontem e hoje, dias lindos com céu de brigadeiro (leia-se azul, muito azul — e quando se usa a expressão brigadeiro no lugar do azul, é preciso certo trato com a língua; por isso, as crianças não entendem e pensam logo que você está falando do doce predileto dos aniversários) e temperaturas subindo entre um a um grau e meio por dia.

Rumo ao 17ème: O Desafio do Deslocamento

Ontem, havia sido convidado para jantar, com a presença de professores universitários do Brasil e França. A anfitriã mora no 17ème arrondissement, exatamente o lado oposto do mapa de onde estou hospedado. É mais ou menos como se você fosse convidado, em Sampa, para ir do Ipiranga para Santana.

Vi no Google Maps umas 20 opções diferentes de chegar até o 17ème, partindo do 12ème. Desde a combinação da linha 6 com a linha 2 do metrô, várias opções com dois ônibus e uma opção que me convenceu: a do tram linha 3B, que sai a 500 metros do apartamento e pára a 600 metros do endereço onde deveria ir, na Rue Malesherbes.

Sobre o Tram e os Banlieues

Em Paris, existem quatro linhas de trams que contornam toda a cidade pela borda externa e todos são interligados, mas o usuário precisa fazer o que antigamente se chamava baldeação quatro vezes, isto é, mudar de plataforma. O tram se assemelha aos bondes que existiam antigamente no Brasil, só que modernos. No Brasil, que eu me lembre, a única linha sobrevivente é a do bondinho para Santa Teresa, passando pelos Arcos da Lapa — mas o bondinho é do século XIX.

Decidi fazer a viagem, num total de 25 estações e duração de 1h10, com os olhos de um pesquisador. Afinal, esse tram faz um arco de praticamente 180 graus passando ao lado dos banlieues pobres e problemáticos de Paris, localizados no norte da cidade.

Conforto e Contrastes

O tram é confortável, com janelões de vidro que te possibilitam boa visão do exterior durante o dia e da noite, quando voltei. Vai tudo muito bem, vai tudo muito mal — o problema é o calorão dentro do tram, já que as janelas não abrem e não há sistema de ar-condicionado.

Aqui, tudo é feito para o frio, e se esquecem que o calor em Paris é insuportável. Não recomendo a nenhum amigo ou amiga vir a essa cidade a partir da segunda metade de junho. Além do calor insuportável, 60% dos restaurantes e comércios fecham. Vão todos para a praia.

A Babel Sobre Trilhos

Voltemos ao tram. Como embarquei na estação inicial, vim sentado ao lado de um imenso janelão que me possibilitava visão do exterior e do interior. Na segunda estação, o tram começou a lotar e a cor dos usuários também foi mudando, à medida que o tram iniciava o contorno pelo norte e virava para o oeste.

O tipo de usuário vai mudando, assim como a coloração da pele e das línguas faladas no interior do tram. No Brasil, estamos acostumados que os negros falem todos português. Aqui não — não teve escravidão na França, portanto, existem imigrantes de várias partes da África que vieram para a França recentemente.

O tram, em alguns momentos, se transforma numa Babel linguística, e penso na Sampa do final do século XIX e começo do XX, com imigrantes desembarcando vindos da Europa, Oriente Médio e Ásia. Outro ponto importante que aprendi aqui é que os imigrantes — mesmo aqueles que nasceram e são cidadãos parisienses — têm orgulho de dizer que são oriundos dos países de seus pais, e até de seus avós.

Cores, Roupas e Identidade

Tentei fotografar, meio que escondido, as vestimentas dos usuários do tram. Muitas mulheres de origem africana usando suas roupas coloridas e algumas brilhantes, e, de cara, você percebe que nasceram em países totalmente diferentes — sem saber onde.

Linhas de Contrastes

Em Paris, tem a famosa linha 4 do metrô que liga Porte de Clignancourt a Mairie de Montrouge. A linha nasce exatamente ao norte de Paris, num banlieue pobre, e tem seu ponto final no sul, num banlieue classe média alta.

Já foram realizados vários estudos sobre essa linha, destacando justamente a diversidade dos usuários e a mudança da cor da pele à medida que o metrô vai descendo do norte para o sul, ou vice-versa.

Invisíveis da Cidade-Luz

O que vi ontem, tanto na vinda quanto na volta, bem tarde da noite, é que o tram T3 pouco muda de cor. E do lado de fora da janela, à medida que o tram sai do leste e vai subindo em direção ao norte, para então virar à esquerda e começar a seguir em direção ao oeste, você se depara com os grandes conjuntos habitacionais — os famosos HLM. Podemos traduzi-los, antigamente, como os apartamentos do BNH, e hoje como o programa Minha Casa, Minha Vida.

São conjuntos gigantescos que o turista, que vem a Paris fazer selfie junto à Torre ou ao lado da pirâmide de vidro do Louvre, jamais verá. Nessa região que faz o arco pelos banlieues, tem pobreza sim — e muita gente morando na rua.

Números e Realidades

Paris — acabo de me informar — tem aproximadamente 100 mil moradores de rua. Portanto, menos que a Sampa Desalmada. Talvez seja erro de estatística, já que em Terras de Pindorama, o governo paulista não é muito bom nas contas.

Só que aqui, em Paris, você raramente presencia violência, e os assaltos são praticamente inexistentes. Batedor de carteira tem em qualquer lugar — e os piores não estão nem nas ruas, mas na internet. Haja visto a meteórica ascensão de Pablo Marçal, que iniciou sua carreira de influencer roubando velhinhos e velhinhas aposentados.

Amanhã tem mais.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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