Farewell Marco Antônio Brandão

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Ozores
Diário do Fim do Mundo, sábado dia 16 de abril do ano entristecido de 2022 e hoje estou na praia do bairro de São Francisco, o mais tradicional bairro de São Sebastião, bradando alto meu grito de desabafo com ‘Só a poesia nos Salvará’.
Hoje é um dia triste. Hoje foi sepultado um amigo de infância e juventude dos meus tempos de Araraquara. Hoje partiu mais um amigo do científico, dos tempos do IEBA, o Marco Antônio Brandão. Ao saber da sua morte, ocorrida ontem no final da manhã, minha mente viajou no tempo e voltei aos meus 15 anos, em 1968, quando a casa do Brandão era polo irradiador de cultura para mim, seu colega de científico. Afinal, seu primo Ignácio de Loyolla ainda não era escritor famoso, porém, era crítico de cinema no jornal Imparcial de Araraquara e para meus olhos ‘alguém que eu queria ser’. O irmão mais velho do Marco, o Zezé, já ensaiava nessa época, na velha Remington da família, suas primeiras incursões jornalísticas.

O que nunca esqueci , foi que na casa da família do Marco, na rua 1, perto da antiga fábrica da Lupo, havia um barracão no fundo da casa onde a moçada se reunia para conversar, jogar baralho e, também foi lá que vi pela primeira vez um jogo de roleta e a molecada fazia aposta com dinheiro de brincadeira imitando cassino imaginário. Disse-me o Marco, em novembro passado, que havia sido presente do Ignácio. Admirava Marco e família, pois, achava que era a família mais liberal que conhecia naquela Araraquara provinciana. Além do mais, o Marco era o cara mais alto de toda a turma e, aos sábados, ele aparecia no IEBA, sem uniforme e de camisa branca fora das calças jeans. Acho que só ele e mais um ou dois da classe tinha calças jeans e eu ficava fascinado com aquele estilão dele solto e sempre alegre e tentava imitá-lo.
Saí de Araraquara em 1969 e após 50 anos nos encontramos em novembro do ano passado numa vez que reuniu os sobreviventes dos alunos do IEBA da turma de 1970.

Foi a ultima vez que o vi, pois, já se encontrava doente mas continuamos nos interagindo pelo grupo de WhatsApp. Aquele Marco que admirava e tentava imitar continuava servindo de exemplo para mim e para demais colegas. Mesmo com câncer, em estado já avançado, Marco continuava à frente da Santa Casa de Araraquara – onde quase a totalidade do grupo de amigos havia nascido – como vice- provedor. Até poucas semanas antes de morrer, ainda usava o zap do grupo de amigos para pedir ajuda para manter a Santa Casa de Araraquara com condições para atender aqueles que à procuram.
Vá em paz meu amigo Marco Antônio Brandão. E hoje vou ler o poema ‘José’ de Carlos Drummond de Andrade, pois, esse poema marcou a nossa formação no velho IEBA, quando o professor de português montou um Jogral e nossa classe apresentou esse poema que ninguém nunca mais esqueceu.

José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
use você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drumond de Andrade
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