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A Beleza e a dificuldade em coexistir

Não se força coexistência. Se você não a pratica, não adianta obrigar o outro a ceder primeiro. 

 

Nasci Caiçara. Aliás, devido a problema, minha mãe me teve em São Paulo, mas fui registrada em Caraguatatuba. Aquela cidade que todos conhecem como de passagem entre São Sebastião e Ubatuba.

Caraguatatuba nunca foi considerada uma cidade bonita. De poucas praias e arquitetura – em sua maioria – de gosto suspeito, a cidade sempre foi a patinho feio do Litoral. Apesar do melhor arquiteto que conheci na vida, ter feito muita casa nesta cidade, Caraguá, como é conhecida, nunca foi uma grande atração.

Agora, quem conhece Caraguá, se apaixona. Eu, como Caraguatatubense, criada na Cocanha, a minha praia mais bonita do mundo, sou enamorada eterna da estância que tem Santo Antônio como padroeiro. A cidade tem lá suas idiossincrasias, mas ela é muito linda por dentro.

Muitos falam que os caraguatatubenses são simpáticos e receptivos – e são mesmo – mas ninguém sabe que também são ressabiados – assim como a maioria que aqui vem morar – e meio difíceis de serem conquistados. E aí vem a primeira beleza dos caiçaras daqui: a sua contraditoriedade.

Dizem que somos folgados. Posso dizer que sim e que não. Muitos dizem que não temos medo. Que vivemos livres. Posso concordar também. A parte boa, excelente, aliás, e o que me dá mais orgulho, é a nossa facilidade em coexistir.

Explico. A cidade pode ser patinho feio, de passagem pra uns e princesinha para outros, mas nós temos espaço público. A rua é nossa. Nascemos pedestres, convivemos na cidade caminhando. O nosso primeiro veículo, em nossa maioria, é a bicicleta. Você vê caiçara andando de bicicleta de terno, vestido, de biquíni, perna quebrada, com cinco em uma bike só, indo pra missa, pro trabalho, pra festa. O shopping da cidade – pode conferir – tem mais bicicletas do que carros estacionados. E não estamos na Holanda, e sim, no meio do Litoral Norte de SP.

E depois de comprar um carro ou uma moto, nunca abandonamos o caminhar ou o bicicletar, como carinhosamente falo.

O que este processo implica? Você verá que todos os motoristas param para as pessoas atravessarem nas faixas de pedestres. E quando não param, pedem desculpas. Você vê ciclistas na ciclofaixa, nas ruas, nas calçadas, convivendo com carros, pessoas que correm, que andam, que patinam em qualquer lugar.

Aqui, as pessoas sabem até onde vai a liberdade de si mesmo e permite que a do outro também se manifeste. Elas não ficam disputando direitos. Elas sabem os direitos de cada um, mas entendem que, com um pouco de amor e empatia, dá sim para coexistir em paz. Uma vez que um dia elas são os motoristas, outro os ciclistas e outro os pedestres, o respeito pelo outro é por si próprio. Não há bandeiras, há sociedade. Tem briga, tem acidente também, tem confusão, mas, o normal, é desta forma que estou tentando humildemente te descrever.

Este artigo nasceu porque, mesmo morando em Caraguá, trabalho em São Paulo. E, agora, com namorado que mora lá também, começo a frequentar ainda mais a cidade que amo e já vivi, mas que, por razões da vida, tinha se tornado a minha cidade de passagem.

Quando você está de passagem pela cidade, você deixa de conhecê-la. E, ao passar a vivenciá-la novamente, percebi algo que me deixou pensativa e entristecida.

Vi que o moço ciclista não suporta aquele que corre na ciclovia, que o carro odeia quem anda de bicicleta, que o pedestre é odiado por todos porque quer atravessar a rua e que ninguém pode entrar no espaço de ninguém porque é proibido.

O ciclista não deve estar na rua e sim na ciclovia, dizem. Oras, não tem ciclovia em tudo. Daí, o ciclista que usa a rua – e com direito – é atropelado. O cara que quer correr, e não consegue usar as calçadas porque são todas desniveladas e esburacadas, se for para a ciclovia é xingado. Na rua então, morre. E quem usa o carro é execrado por todos – mesmo muitos destes tendo carro – só porque não é do grupo.

Enquanto em Caraguá quando eu saio pra fazer meu treino de triathlon (aspirante nível jardim de infância) eu sinto aconchego, liberdade, pertencimento, em São Paulo, eu saio para uma guerra. Bom, se estiver bicicletando na ciclovia do Rio Pinheiros, os ciclistas vão me amar. Quando eu começo a correr, os pedestres passam a gostar de mim. E ao pegar o carro, sou aceita pelos motoristas. Mas é muito raro conseguir ser aceita pelos três grupos concomitantemente.

E é óbvio que tem gente que compreende, que tenta diariamente e avidamente coexistir sem divisão grupal. Estou só contando uma percepção macro do que vejo sem entrar nos casos particulares. Mas fico pensando, com aperto no coração, o que levou estes pobres paulistanos a sentirem tanta raiva um dos outros?

Ao comparar com Caraguá, vejo que São Paulo não tem espaço público. A minha sensação é que as pessoas brigam por um pequeno espaço de terra para tentarem conquistar uma qualidade de vida que, em Caraguá, é de graça e premissa de qualquer pessoa que ali for morar.

E, então na Capital Paulista, quando recebem algum minúsculo território, lutam com todas as forças para mantê-los. E eu os entendo. Não é fácil não ter nenhum espaço e ainda dividir com outro grupo que não seja o teu.

Podem me achar utópica demais, mas enquanto o ciclista não ceder seu espaço para o pedestre, o pedestre ao ciclista (encontro inúmeros “bicicleteiros”, com razão, andando nas calçadas quando a rua é um atentado à vida), e, sobretudo, o motorista – o primeiro dono de tudo em São Paulo – conceder o espaço aos outros, não haverá sociedade, paz, convivência ou evolução.

A cidade de São Paulo precisa quintuplicar seus espaços públicos para as pessoas conviverem, perderem seus medos, pararem de se fechar em guetos e aprenderem a coexistirem. Precisamos de espaço suficiente pra que todos nós convivamos nele sem disputá-lo, como acontece atualmente.

Sabendo, claro, que coexistência não pode ser forçada. Se você não a pratica, não adianta obrigar o outro a ceder primeiro. E, garanto: entender a empatia, a coexistência, compreender os positivos e negativos, conviver com eles e dividir o que temos em harmonia, é o caminho de ver o quanto de belo há em nossa volta.

E que delícia que é termos um pouquinho de todas as belezas do mundo em nossa casa, em nosso eu, e saber reconhecê-las com amor. Que a minha beleza se torne tua e a tua se torne minha.

E não se força coexistência. Se você não a pratica, não adianta obrigar o outro a ceder primeiro. E ao ceder e se abrir pra aprender de onde menos de espera, verá o quanto de belo há em nossa volta. E, eu como caiçara que ama São Paulo, convido a todos a conhecerem seus lugares de passagem, porque, por experiência própria, é uma delícia ter um pouco de todas as belezas do mundo em nossa vida e saber reconhecê-las com amor. Que a minha beleza se torne tua, e a tua se torne minha.

Liv Soban, 39 anos, caiçara orgulhosa, jornalista que, se descobriu estrategista de marca, e saiu do armário profissional há mais de 15 anos. Pratica Triathlon com a destreza de um bicho preguiça dançando frevo. Tem um Bernese apaixonante chamado Siddharta e um gato vidaloka de nome Panda. Apaixonada por pessoas, lugares, comida e vinho, o que ela mais gosta de fazer é rir de si mesma e pensar que a gente é poeira demais para nos levarmos tão a sério, como estamos fazendo ultimamente.

 

Pitagoras Bom Pastor

Pitágoras Bom Pastor de Medeiros, é formado em direito e pós graduado em jornalismo digital

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7 Comentários

  1. Lindo texto! Mas Carsgustatubs nunca foi patinho feio, esse estgma surgiu de um pretencioso politico que quis se projetar. Caraguatatuba sempre foi bela, magestosa, encantadora, sou caiçara nativa, minha família foi os primeiros moradores desta cidade e sempte se orgulhou de toda sua beleza esbanjada. Hoje melhrada, por conta fe um Prefeito caiçara que lutou por uma indenização e o pretensioso recebeu e achou que maquiando a nossa cidade a fêz mais linda e foi infeliz em dizer que era um patinho feio…Antigamente não havia enchentes, hoje tem. Foi pavimentada, fêz errado, imoermeabialuzou o solo e prejudicou a vida dos caiçaras.

  2. Lindo texto! Mas Caragustatuba nunca foi patinho feio, esse estgma surgiu de um pretencioso politico que quis se projetar. Caraguatatuba sempre foi bela, magestosa, encantadora, sou caiçara nativa, minha família foi os primeiros moradores desta cidade e sempte se orgulhou de toda sua beleza esbanjada. Hoje melhrada, por conta fe um Prefeito caiçara que lutou por uma indenização e o pretensioso recebeu e achou que maquiando a nossa cidade a fêz mais linda e foi infeliz em dizer que era um patinho feio…Antigamente não havia enchentes, hoje tem. Foi pavimentada, fêz errado, imoermeabialuzou o solo e prejudicou a vida dos caiçaras.

  3. Como paulistano posso dizer que Caraguá é São Vicente do litoral Norte, ambas abertas e muito receptivas para os olhares mais atentos e carinhosos. Lugares ideais para gente despretensiosa, desencanada com deslumbres e sabe coexistir.

  4. Eu moro em Ubatuba.. mas virá e mexe estou em Caraguá de Santo Antônio…e gosto do mar ,da avenida.e das pessoas..e acho sim que tanto em Caraguá,amo em Ubatuba temos sim que coexistir…lembrando sempre que temos que cuidar sempre do menor…o motorista, do ciclista o ciclista do pedestre..e todos se cuidando vai sobrar espaço para todos amei Liv Soban…o seu recado está dado…parabéns…

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