Os Diários do Ozores

O Mar dos Núbios e os deuses do Nilo

Entre crocodilos, calor e memórias: um dia no sul do Egito

Diários do Egito

24 de maio de 25

Rio Nilo

Manhã de descobertas: a grande represa de Assuã

Hoje despertei bem cedo para o café da manhã, pois, havia sido tratado com o guia, no dia anterior, duas visitas. Primeira às 8h30 na represa de Assuã, inaugurada em 1970, último ano do governo de Gamal Abdel Nasser que morreu em dezembro desse ano. A represa que leva o nome do antigo presidente também é conhecida como ‘Mar dos Núbios’ porque quando as águas do Nilo começaram a subir as terras antes habitada pelo povo núbio, há mais de quatro mil anos, desapareceram debaixo da imensidão de água.

Represa tem 400 km de comprimento em direção ao Sudão e largura de mais de 5 km com profundidade, em alguns pontos, de até quase 2 mil metros. Além da represa Nasser nacionalizou o Canal de Suez e se tornou líder da famosa República Árabe Unida que pretendia reunir, sob uma só bandeira, Egito, Siria e República Árabe Unida. Com a construção da barragem mais de um milhão de núbios ficaram sem ter onde morar mas Nasser garantiu que tivessem suas terras de volta, em território egípcio, mais precisamente ao redor de Assuã.

Controle do Nilo e heranças milenares

Primeiro fomos a barragem que Nasser construiu com dinheiro e tecnologia russas fugindo assim do garrote dos norte-americanos, pós segunda guerra.

Desde sua inauguração, até hoje, a represa é vigiada por solados do exército e a barragem não produz apenas energia elétrica mas controla a vazão da água para todo o Egito uma vez que os 115 milhões de habitantes estão distribuídos nas duas estreitas margens do Nilo e o estuário do rio.

Como mencionei ontem Heródoto foi o primeiro viajante a anotar, para a posteridade, que o Egito só existe pelas benesses que o Nilo proporciona e depende das cheias anuais maiores ou menores. Portanto, o controle da água é fundamental ainda mais agora, no segundo quartel do século XXI, quando a água doce é um bem geopolítico que provoca guerras comerciais e reais em todo o mundo.

Da ponta da barragem fotografei esse mar de água doce que existe após apagar a existência física das terras dos núbios, habitantes do norte do Sudão e sul do Egito. Na antiguidade os núbios chegaram a invadir e assumir o controle do Egito implantando até governo, um período conhecido como dos faraós negros.

Terras núbias e contrastes culturais

Terminada a visita a barragem segui, com o guia, de volta para margem do Nilo onde um núbio e seu barco nos aguardava para nos levar até as terras ‘dos núbios’ ou ‘terra dos negros’ como os egípcios se referem a essa etnia como reafirmou o guia que me atende. Me lembrei na hora da antiga Grécia já que para os gregos todos os povos eram bárbaros com exceção deles mesmos, os gregos.

Entrei no barco e descemos contra a corrente, em direção ao sul, ao Sudão, e acabamos entrando por alguns canais e finalmente chegamos nas novas ‘terras núbias’. É uma longa extensão de terra cravada no deserto do Sahara com uma cor ocre que conforme a luz do sol ilumina chega a ofuscar nossa visão.

Núbios, escolas e crocodilos

Hoje os núbios estão investindo no mercado imobiliária e ao longo da margem você encontra uma praia com areia e banhistas estrangeiros e nativos atendidos por bares e restaurantes administrados pelos núbios. Decidi não descer e apenas fotografei ao longe os banhistas dentro do rio que tem cor escura quase negra mas quando você se aproxima da água ela é transparente. Sensação é que é semelhante com as águas do Rio Negro.

E aqui, como em Manaus, os nativos bebem água diretamente do rio sem tratamento. Em Manaus beber água do Negro era costumeiro até há alguns anos atrás antes que a nossa civilização poluísse o Negro uma vez que a captação da água de Manaus estava situada abaixo do despejo do esgoto urbano no rio. Coisas de Brasil. Mas aqui não fica nada atrás das nossas mazelas.

Paramos em um povoado núbio e o que chama atenção do visitante são as cores fortes com que essa etnia pinta suas casas. Passeio incluía visita a uma escola e ao centrinho minúsculo onde artesãos expõem produtos de qualidade bem ruins, por sinal.

Curioso observar as vestimentas da população mais antiga que mantem uso de túnicas negras e amarelas escuras e panos enrolados na cabeça. Na escola de primeiro grau que visitei um professor tentou me explicar, em espanhol, o alfabeto árabe, mas sem nenhum sucesso pela parte dele. Fui péssimo aluno.

Passei também pela casa de um núbio que cria crocodilos no quintal que foi-me mostrar a sua fazenda de repteis espetando um deles com um cabo de vassoura para que ele abrisse a bocarra. Fotografei aquela imensidão de dentes e pensei que as presas vítimas dificilmente escapam dos seus ataques.

Em direção a Com Ombo

Havia um ultimo programa que era visitar um morro onde se teria visão ampla das terras núbias e do Nilo. Desisti quando vi que o tuc tuc que nos levaria não tinha capota e a temperatura já chegava a 38 graus centigrados.

O barco núbio nos trouxe de volta para o imenso catamarã que partiria as 12h00 em direção a Luxor, ponto final desse cruzeiro quando o catamarã regressa a Assuã e embarco de volta a cidade do Cairo. Na chegada um almoço já aguardava os passageiros e você precisa brigar para não comer.

O ritual, é servido à francesa, com maitre e batalhão de garçons que dá média de quase um garçon para cada passageiro, são quatro pratos mais sobremesa com doces e uma bandeja de frutas.

Templo de Sobek e Haroëris

Almocei e fui para o quarto cochilar. Precisamente as 14h50 acordo com o sonar do telefone. Era o guia chamando para a segunda parte de visita do dia. Templo de Sobek e Haroëris, localizado em Com Ombo construído há mais de dois mil anos, no Antigo Egito, durante a Reino Ptolemaico, na cidade de Com Ombo.

É o único templo duplo egípcio, assim chamado por ser dedicado a duas divindades: um lado do templo é dedicado ao deus crocodilo Suco, deus da fertilidade e criador do mundo; o outro lado é dedicado ao deus falcão Hórus.

O templo teve duas funções que é difícil dizer qual a mais importante. Para os comuns mortais o templo é dedicado a dois deuses e é isso que os guias dizem e mostram as marcas registradas nas pedras.

O mais importante e que fica no fundo do templo é um poço de proporções gigantescas conhecido como ‘nilômetro’. Esse poço servia para que as autoridades aduaneiras medissem ano a ano o tamanho da enchente do Nilo. Isso porque quanto maior a cheia maior será a safra, portanto, anualmente os fiscais mediam, nesse poço, a altura que o Nilo subia no ano para efetuar a taxação de impostos daquele ano.

Em Manaus se alguém já conheceu, no porto tem um ‘negrômetro’ que mede a altura da cheia do rio naquele determinado ano e com esses dados se calcula antecipadamente se haverá colheitas melhores ou piores no ano seguinte.

Reflexões sob o calor escaldante

A visita poderia se prolongar durante horas porque o templo fica no alto de um morro de onde se tem vista belíssima. No entanto, antecipei a volta em decorrência do calor escaldante.

Os termômetros passavam dos 42 graus centigrados e o pior é que o calor é tão abrasador que seu corpo não consegue transpirar e você tem a sensação que seu corpo está em chamas. Ainda estamos na primavera por aqui que já anuncia o seu fim e esse é um dos motivos que os barcos turísticos estão vazios.

Como escrevi ontem esse catamarã em que estou navegando tem capacidade para mais de 100 pessoas e estamos num total de 10. Não contei, mas creio que deve ter uns cinco funcionários para cada turista.

Memórias de outro rio e conselhos de viagem

Uma vez só na vida tinha feita uma viagem de barco de longa duração. Foi uma viagem que fiz de Belém do Pará para Manaus, há quase quatro décadas. Era um barco de linha que transportava passageiros e carga.

O barco era simples e além da carga transportava umas trezentas pessoas distribuídas em redes. Eu tive privilegio nessa época de vir num dos tres camarotes do barco, graças ao meu saudoso maninho que conhecia Deus e o mundo.

Escrevi porque quando escrevemos não controlados os escaninhos da memória, mas serve para apontar duas observações para quem lê esses meus diários e pode pretender vir ao Egito. Escolha para esse passeio os meses de novembro a março preferencialmente quando as temperaturas não passam de 24 graus como me disse o guia.

E se prepare para engordar se você não tiver limites. Cruzeiro é lugar de engorda de gado. O cocho está sempre cheio. Daqui a pouco, no final do dia está previsto mais alguma coisa acho que café e bolachinhas e a noite jantar e música. Não pretendo participar de nenhum desses. Fui.

Amanhã tem mais.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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Um Comentário

  1. Estive no Egito do dia 7 ao dia 22 de março deste ano.Dias 8 e 23 foram de deslocamento Brasil Egito e vice-versa.
    Amei tudo que ví e aprendi, mas deveria ter feito um diário para poder lembrar de tudo. Obrigada Marcus Ozores por ser o diário que não fiz. Também sou septuagenária mas encarei bem os desafios. Abraço.
    Maria Helena de Alvarenga Miranda.

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